São Paulo--(
DINO - 07 dez, 2016) - Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pegou todo mundo de surpresa, na terça-feira passada, ao pautar o caso de uma clínica médica acusada de fazer abortos de fetos saudáveis. A 1ª Turma da Corte afastou a prisão preventiva de cinco profissionais denunciados por aborto com consentimento da gestante e formação de quadrilha. O voto do ministro Luís Roberto Barroso, contrário à detenção em casos de aborto no primeiro trimestre de gravidez, foi seguido pelos colegas Rosa Weber e Edson Fachin, e gerou polêmica entre juristas.
Em seu voto, Barroso pontuou que, além de no caso em questão não estarem presentes os requisitos que autorizam a prisão cautelar, a criminalização do aborto no primeiro trimestre de gravidez "viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade". É incompatível, por exemplo, com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, bem como com a sua autonomia, a sua integridade física e psíquica e seu direito à igualdade, "já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".
Segundo o advogado Prof. Dr. Faustino da Rosa Júnior, especialista em Direito Médico e CEO do Grupo Educacional Facinepe, referência no ensino médico continuado, a decisão foi específica para o caso em questão, mas poderá ser utilizada por juízes de primeira instância em outros julgamentos, especialmente para conceder habeas corpus a trabalhadores de clínicas de aborto ou parturientes que efetuem abortos nos três primeiros meses de gestação.
Por enquanto, no entanto, não se trata da descriminalização da prática, mas pode favorecer a mudança na legislação de forma efetiva eventualmente. "Se há um inquérito policial, normalmente se denuncia tanto a mulher quanto a clínica, o que por vezes gera condenação, mesmo que sejam penas brandas", explica o especialista.
Para Faustino, no entanto, o que torna grave o voto do ministro do STF é o fato de este "desconsiderar os direitos do nascituro por completo, considerando que só existem os direitos sexuais e reprodutivos da mãe", sem levar em consideração os direitos sexuais e reprodutivos do pai e o direito à vida do feto sadio. "Por uma vontade da mãe, sem levar em consideração a vontade do pai, o aborto é levado a efeito", aponta.
O direito à vida, na opinião de Rosa, foi prejudicado pela decisão do Supremo. "Barroso sequer levou em conta o direito do pai. A questão da liberdade sexual precisa incluir a paternidade, que é tão relevante que a então presidente Dilma Rousseff sancionou, em março, a ampliação da licença-paternidade de cinco para 20 dias", ressalta.
Sob a ótica do advogado, ainda que a intenção do STF seja descriminalizar o aborto, é preciso ponderar o direito ao nascituro e à paternidade. "Lembrando que não estamos falando de um feto doente ou de uma mãe que sofreu um estupro, mas do simples arbítrio de desistir da gestação. Estamos priorizando o direito à liberdade sexual em relação à vida", observa.
Conforme Rosa, para a decisão do STF ser constitucional, o aborto deveria ser legalizado, e a comunidade jurídica deveria tangenciar os direitos fundamentais. "A pena de morte não é prevista em nossos sistemas penal e civil. Ao descriminalizar o aborto em casos de fetos saudáveis, passa a existir. Eu fiquei estarrecido com a decisão de Barroso, porque ele sequer reconhece a existência da pessoa humana", defende. O artigo 2º do Código Civil define que os direitos do nascituro começam já na concepção.
Procedimento só é realizado hoje em três situações
Hoje, o artigo 124 do Código Penal Brasileiro determina pena de detenção de um a três anos por aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento. Em casos provocados por terceiros sem o consentimento da grávida, a pena prevista no artigo 125 é de reclusão por três a dez anos. O artigo 126 versa que, quando o aborto é consentido por gestantes com menos de 14 anos ou alienadas, ou débeis mentais, ou se o consentimento for mediante fraude, grave ameaça ou violência, a pena é de prisão por um a quatro anos.
As penas dos artigos 125 e 126 são aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas se, por qualquer dessas causas, a grávida morre. O médico não é punido por efetuar o aborto em três circunstâncias: quando há risco de vida para a gestante, quando a gravidez é fruto de estupro ou quando o feto é anencéfalo. Porém, atualmente, não há clínicas autorizadas, ou seja, a mulher faz o procedimento e, depois, a clínica o justifica a partir das condições médicas da paciente.
"Esse precedente gerado pelo STF vai acabar implicando em outras ações de incorporação do aborto no âmbito do SUS. Se o aborto não é crime nos três primeiros meses de gestação, o SUS terá que abraçar isso, o que exige mudanças significativas no sistema", destaca o advogado Prof. Dr. Faustino da Rosa Júnior.