Releases 04/05/2017 - 06:59

Justiça: uma reflexão e um desabafo sobre o Brasil


Rio de Janeiro, RJ--(DINO - 03 mai, 2017) - O que é Justiça? Uma pergunta simples e ao mesmo tempo filosoficamente complexa. Atravessei a barreira dos "enta" e com certo tempo na advocacia e na docência não tenho mais o ímpeto juvenil e a visão romântica dos primeiros anos de formado, e nem estou escudado pela imagem de décadas de labuta que me permitiriam pensar já ter realizado o suficiente.

Preciso estar disposto a verdadeiramente compreender o que é justiça para conseguir continuar, em sala de aula, incentivando jovens a serem aguerridos no combate às injustiças, e nos tribunais, fazer meus clientes acreditarem que é possível acreditar.

Justiça é um conceito, um valor, um parâmetro, um caminho ou simplesmente um sentimento? Podemos atingir uma tangibilidade capaz de nos fazer senti-la como algo concreto? Minha razão jurídica diz que não, dado a ser um valor de múltiplas facetas filosóficas, enquanto meu coração de cidadão brasileiro, espera desesperadamente que sim. Quem está certo?

Em uma reflexão e um desabafo, penso pela primeira vez que meu coração é mais coerente do que meus anos na advocacia e toda minha reputação na academia. E por quê? Porque de nada vale o Direito se ele não acalentar meu coração como cidadão, que clama por Justiça. O "juridiquês" responde quase tudo dentro de um sistema jurídico fechado, mas que pouco serve ao povo para o qual foi destinado a servir. A aplicação do artigo tal combinado com o princípio tal não me deixa mais tranquilo como brasileiro, em que pese atender a lógica do Direito.

Promotores de Justiça não deveriam promovê-la? E por que enxergamos a promoção de simples acusação? Uma Corte Constitucional não deveria defender a constituição como premissa maior ? E por que temos a sensação, em avaliação branda, de que defendem pessoas e egos, e não valores constitucionais? Todos somos iguais perante a lei? E por que não enxergamos concretamente essa máxima? Perguntas que ainda não encontro respostas que me sejam confortáveis.

Corrupção, a palavra da vez. Seu combate, o sonho do momento. Mas a Justiça não está na realização das prisões televisivas e delações cujo vazamento nos anima a assistir noticiários. A Justiça estará presente quando não tivermos mais medo de que alguém possa ser preso antes de condenado porque há uma conveniência de se agradar a opinião pública e ao mesmo tempo, quando uma liberdade provisória não se der por uma conveniência e proximidade do poder instituído, sem se importar com o dano que essa liberdade causa na sociedade como um todo. Talvez, quando a condenação ou absolvição seja rápida e eficaz, sem precisarmos muito da tal "prisão cautelar".

A justiça não virá quando "ganharmos um processo" nas pequenas causas, mas quando nenhuma causa for pequena demais para ser decidida por um dito "juiz leigo", como em diversos juizados especiais, ou for grande demais para ultrapassar os contornos da lei e ser decidida por laços fraternos entre juízes, advogados, promotores e partes, como que em uma confraria jurídica secreta. A justiça vira finalmente quando um juiz sério e comprometido não for sentido como ídolo nacional mas estabelecido como padrão de servidor público.

Desiludido? Talvez um pouco. Mas sereno o suficiente para compreender que estamos perto o suficiente para continuarmos tentando alcançar a Justiça que tanto idealizamos e distantes o bastante para compreender que o Brasil está longe de ser "passado a limpo".

Justiça no Brasil? Ainda não a compreendo.

Marcio Caldas é Professor de Teorias Contemporâneas da Justiça do Ibmec-RJ.


Website: http://www.crsolucoes.com