Rio de Janeiro (RJ)--(
DINO - 02 dez, 2015) - Promover uma reforma estrutural no Complexo da Maré, para proporcionar melhor qualidade de vida a seus moradores, é a principal finalidade da Associação Redes de Desenvolvimento da Maré. Ela desenvolve projetos e programas sociais em cinco eixos: segurança pública, desenvolvimento territorial, comunicação, educação, e arte e cultura. Com isso, vem fazendo história no conjunto de favelas, que é lar de mais de 140 mil pessoas na capital fluminense.
Na Maré, há 16 diferentes comunidades ocupando um território maior que 80% dos municípios brasileiros. O Complexo assemelha-se a uma cidade. Ainda assim, faltam-lhe segurança, educação e uma rede de água e esgoto de qualidade, entre tantos outros problemas urbanos e sociais, advindos da insuficiência de políticas públicas adequadas.
Nesse cenário se encontra o Rede de Saberes, uma das mais bem-sucedidas e impactantes iniciativas da empreendedora Eliana: trata-se de um cursinho pré-vestibular comunitário que conseguiu aprovar 37% dos alunos em vestibulares de universidades públicas, desde 1996. Na prática, ajudou mais de 1.300 moradores da Maré a conquistar uma vaga em cursos superiores públicos, fazendo do Complexo a favela carioca com maior proporção de pessoas com ensino superior completo.
"Temos ex-alunos que se tornaram mestres, doutores e até professores universitários. Isso é impacto estruturante. É mudar indicadores sociais", orgulha-se Eliana Sousa Silva, 53 anos, formada em letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), técnica em educação e fundadora da Associação Redes de Desenvolvimento da Maré.
Outra iniciativa de destaque é o Censo da Maré, levantamento da realidade sociodemográfica da região, produzido por meio de uma tecnologia social desenvolvida pela própria ONG. "Com esse mapeamento, pudemos traçar um plano de ações estruturantes para a comunidade, com base em indicadores sociais, políticos e econômicos", diz. Mais do que isso: por causa do Censo, foi possível criar o Guia de Ruas da Maré e, assim, dar um CEP a todos os moradores do Complexo.
Uma moradora inconformada
Eliana foi viver aos 7 anos, em 1969, em Nova Holanda, uma das comunidades da Maré, onde ficou até 1995. Nascida na Paraíba, na região do Cariri, ela se mudou para o Rio de Janeiro com a família para fugir da seca nordestina. Contudo, mesmo em terras cariocas, a família continuou tendo contato com a pobreza e a miséria.
"Meu pai prendia muito a gente em casa, por medo da violência. Demorou, mas aos 17 anos tive minha primeira tomada de consciência", conta a paraibana. Professora de catecismo na igreja da comunidade local, Eliana foi eleita agente comunitária para uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). "Quando comecei a bater na porta das pessoas e a fazer perguntas sobre suas condições médico-sanitárias, entrei em contato com uma realidade da qual não tinha noção, embora estivesse do meu lado." Daí em diante, decidiu que atuaria, também, como agente transformadora do Complexo da Maré.
Começou por uma campanha para fundar a Associação de Moradores de Nova Holanda e criou a Chapa Rosa para concorrer à presidência da instituição. Aos 22 anos, venceu o pleito, tornando-se a primeira mulher eleita para essa função de presidente na cidade do Rio. "Foi uma coisa muito bonita; teve festa. A gente se sentia com poder de mudar", relata Eliana.
Durante os seis anos em que ficou à frente da associação, a líder conquistou importantes feitos para a comunidade, como levar energia elétrica para Nova Holanda e implantar um sistema de coleta de lixo. Com o passar do tempo, porém, começou a se questionar sobre a eficiência de seu trabalho. "Percebi que os serviços eram de baixa qualidade, e o acesso não garantia o direito pleno", afirma.
Conheceu, então, Jaílson Sousa Silva, geógrafo e seu futuro companheiro ? de vida e de luta. Diretor do Observatório de Favelas, organização dedicada ao estudo de políticas para comunidades de baixa renda, ele auxiliou Eliana a fundar a Associação Redes de Desenvolvimento da Maré e a criar seu primeiro projeto de mudança estrutural: o Rede de Saberes. O cursinho começou a ser idealizado quando, juntos, os dois se deram conta de que apenas 0,5% dos moradores do Complexo tinham curso superior.
Conquistas para a comunidade
Eliana morou na Maré até 1995, quando o marido Jaílson, preocupado com a segurança da família no lugar ? que é loteado por quatro grupos criminosos ?, lhe deu um ultimato: estava de mudança e levaria o filho do casal com ele. A empreendedora social acompanhou a família, mas o coração continua até hoje no Complexo. Entre outras melhorias que conquistou, estão ciclovias, escolas infantis e até um posto do Detran, além da criação do negócio social Maré de Sabores, que qualifica mulheres para empreender no setor gastronômico.
"Segurança também é uma grande preocupação da Eliana. Outro dia ela me acordou às seis da manhã para que pegasse minha câmera e acompanhasse uma operação do Bope, a pé, com ela. Eles já tinham matado nove pessoas, entre traficantes e moradores, mas nossos registros intimidaram a ação", conta o fotógrafo Bira Carvalho, de 45 anos, um de seus parceiros de luta.
Para o futuro, a empreendedora planeja transformar sua organização em fundação comunitária ? mudança que, juridicamente, permitirá mais autonomia financeira para a instituição e, consequentemente, ajudará a impactar a vida de mais pessoas. Exemplos não faltam. Irani Ribeiro de Lima, de 41 anos, é uma delas. Mãe de uma aluna do cursinho pré-vestibular da Maré, voltou a estudar após ver a filha ser aprovada no curso de odontologia em uma universidade pública. "Em um ano, aprendi mais do que na minha vida toda. A Redes abriu uma porta para mim. Comecei a ver o mundo de forma mais crítica", diz a moradora da Maré, que faz parte do grupo de 35 mil pessoas que já foram beneficiadas pela Associação.
Pelo trabalho que desempenha e por todo o impacto positivo que está causando na região onde atua, Eliana Sousa Silva está entre os três finalistas do Prêmio Folha Empreendedor Social 2015, promovido pela Fundação Schwab e Folha de S.Paulo. A iniciativa destaca líderes sociais que atuam há pelo menos três anos, de maneira inovadora, sustentável e com forte impacto na sociedade em áreas como meio ambiente, educação, infância e saúde.
Site da Redes da Maré:
www.redesdamare.org.br Página de download de fotos dos finalistas dos prêmios:
http://www.pbcomunica.com.br/PES2015/Crédito das fotos obrigatório para Renato Stockler/Na Lata
Website:
http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/