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DINO - 13 mai, 2016) - No "apagar das luzes" de seu governo, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016. O decreto regulamenta determinados artigos do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14). Em síntese, o Decreto trata especificamente das hipóteses de discriminação de pacotes de dados na internet e da degradação do tráfego; indica procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e aplicação; aponta medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelece parâmetros para fiscalização e apuração de infrações.
Como a assinatura do Decreto foi uma dos últimos atos da presidenta Dilma Rousseff antes de ser afastada do cargo, questiona-se a possibilidade de mudanças com o novo governo. O advogado Cesar Augusto Alckmin Jacob, sócio da Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, não acredita em mudança, salvo se houver algo "estranho" demais no decreto da presidente. "Mas o presidente em exercício pode, sim, alterar decretos regulamentadores. Sem problema, desde que o decreto não extrapole o que está na lei que vem regulamentar", diz.
Para o advogado Ademir Pereira Junior, especialista em Direito da Internet e sócio da Advocacia José Del Chiaro, o Decreto dá um passo importante para a proteção da neutralidade da rede. "Também traz um regramento que esclarece pontos relevantes e, principalmente, torna excepcional qualquer medida de gestão de tráfego, preservando assim o caráter aberto da rede", diz.
Além disso, ele destaca que há disposições expressas vedando a priorização de determinadas aplicações ou serviços com base em acordos comerciais e a priorização de aplicações do próprio detentor da rede. O advogado diz que essas regras são fundamentais para a preservação do caráter aberto da Internet, mantendo todas as aplicações e serviços em pé de igualdada para competirem por consumidores. Desse modo, preserva em larga medida o potencial da Internet de gerar inovação e transformação no Brasil, segundo ele.
"As normas do decreto conferem um arcabouço normativo substancial e que permite a adequada proteção da neutralidade. No entanto, precisamos acompanhar com cuidado a interpretação dos dispositivos para que não a interpretação não seja desvirtuada. Por exemplo, o item sobre serviços especializados no art. 2 precisa ser lido de modo muito estrito, para que não haja verdadeira fragmentação da Internet em comunidades fechadas e que pretensamente seriam algo distinto da Internet aberta. Do mesmo modo, é necessário ainda tomar cuidado com práticas como zero rating que podem distorcer a competição entre aplicações sem gerar benefícios claros", avalia.
Para a advogada associada do Nelson Wilians e Advogados Associados e professora da Faculdade de Direito da USP, Maristela Basso, o decreto trata de temas que precisam de regulamentação e que tornam mais seguras as relações na rede - tanto na perspectiva do usuário quanto do fornecedor do tráfego. "Apesar de ter de ter sido aprovado e promulgado pela presidente Dilma no dia 11 de maio, véspera de seu afastamento do cargo, não significa que o Decreto vem maculado de ilegalidade, abuso de poder ou possa ser questionado e revogado pelo novo presidente em exercício. A presidente Dilma Rousseff não perdeu o cargo de chefe de estado. Ela está apenas afastada das funções por até 180 dias", diz.
O advogado Guilherme Thompson de Paula, também do Nelson Wilians e especialista em direito empresarial e societário, não acredita em mudança do decreto. "No que toca à regulamentação do marco civil da internet, é um benefício em relação aos consumidores, de modo que qualquer alteração em seu texto, em especial em relação à paralisação total dos serviços após o alcance do volume de dados contratado, bem como proibição da venda de internet móvel fixa com limite de dados, configuraria uma medida impopular perante a população", diz. "Mas a alteração de decretos é viável, por força da Constituição Federal, sendo, no caso do decreto em análise, uma atribuição do próprio presidente em exercício, Michel Temer", conclui.
"Como a regulamentação do Marco Civil se dá por Decreto Presidencial Regulamentar, de fato há espaço para que, com a mudança no governo, se modifique também o texto do decreto vigente. No entanto, como este assunto é bastante sensível, não aposto numa iminente alteração ou revogação do texto do Decreto 8.771/2016, principalmente no que diz respeito ao princípio da neutralidade da rede e a administração e segurança de informação dos dados dos usuários da rede, temas que certamente gerarão grande repercussão, com riscos à popularidade do governante, caso modificados de forma abrupta. Para qualquer modificação dos termos do Decreto, será fundamental ? para não dizer obrigatória ? a participação do Comitê Gestor da Internet e o debate com a sociedade sobre as alterações propostas", afirma José Nantala Bádue Freire, da Peixoto & Cury Advogados.