Releases 02/09/2016 - 21:45

Mais qualidade e menos rombo nas obras públicas


(DINO - 30 ago, 2016) - Clémenceau Chiabi Saliba Júnior, presidente do Ibape-MG (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia)

Recentemente, o Ministério da Transparência criou um grupo de trabalho para elaborar propostas de mudança da Lei nº 8.666, conhecida como Lei de Licitações. Na avaliação do ministério, a lei, de 1993, "demonstra defasagem", como indica o volume de casos de corrupção revelados por operações como a Lava Jato. É sim urgente que sejam feitas ações de combate à corrupção e, além disso, é importantíssimo aproveitar esse momento também para observar a necessidade de mudanças nessa lei no que tange as obras públicas. Sabemos que elas são um dos principais meios de escoamento do dinheiro público, mas também essenciais para que a população tenha seus direitos atendidos, como em hospitais, escolas, ruas e estradas.

No trabalho pericial diário, tenho observado que atrasos, abandonos, superfaturamentos e acidentes em obras públicas vêm ganhado notoriedade, além de trazer severas consequências à sociedade. Seguramente a forma de contratação efetuada pelo poder público federal, estadual ou municipal, lastreada na maioria das vezes apenas no menor preço, merece reflexão. Situação ainda agravada nas licitações lastreadas no Regime Diferenciado de Contratação (RDC), Lei nº 12.462, que trouxe retrocesso e maior número de abandonos, quando o escopo da obra tem que se adequar ao menor preço e não ao contrário.

Em nosso entendimento técnico, a contratação de projetos de engenharia pelo menor preço é ilógica. Afinal, para se ofertar menor preço de um projeto, habitualmente se reduz a remuneração do engenheiro e o número de horas gastas no trabalho. Dificilmente os que ganham menos são os melhores e, com menos tempo disponível para sua elaboração, os projetos acabam sendo quase que repetições de outros, diminuindo a qualidade e cerceando a possibilidade de o engenheiro buscar novas opções.

Os projetos de uma obra custam, em média, 3% do custo total da obra, mas, quando executados a partir de premissas pouco elaboradas, sem estudo de alternativas e com critérios muito conservadores, tem potencial para mais do que dobrar o valor final da obra. Dessa forma, a economia na contratação de projetos ao menor preço, quase sempre traz como resultado um obra muito mais cara do que poderia ser, ou seja, o barato fica muito mais caro no final.

Percebemos que, em raríssimas ocasiões, são estudadas soluções técnicas buscando encontrar a melhor relação entre o custo e benefício ao longo da vida útil da obra, ou seja, quanto o contribuinte, que financia essas obras com pagamento de impostos, vai realmente pagar, não só para construí-las, mas também para mantê-las.

Qualquer cidadão que faça planejamento orçamentário de seus gastos cotidianos, investimentos familiares ou aquisição de bens móveis e imóveis, se dispõe a fazer uma breve análise de custo x benefício antes de gastar os recursos da família. Nesse processo, analisa fatores como durabilidade, economia, credibilidade e a expectativa de retorno do bem a ser adquirido. É possível inferir que os gestores públicos, em sua vida privada, se utilizem do mesmo expediente, por exemplo, na escolha de médicos e advogados, raramente contratados pelo menor preço e dificilmente questionados, uma vez comprovada sua excelência profissional.

É recorrente ver obras públicas lançadas sob forte pressão política para serem iniciadas antes de eleições. Os processos de licitação destas são baseados em projetos básicos, sem detalhamento, com elevada margem de incerteza, quando comparada aos projetos executivos, ocasionando necessidade de reprojetos durante a execução e custos acima dos que foram inicialmente estimados.

Ainda, os preços de referência são baseados em tabelas fixas, sem considerar as particularidades de cada obra como o local, o prazo de execução ou o prazo/risco dos pagamentos. Também os custos indiretos e, acreditem, até o lucro são limitados, ou seja, como se as obras fossem commodities.

Tamanha incongruência faz com que elas tenham preços cada vez mais impraticáveis se levarmos em consideração os riscos e as incertezas destes empreendimentos. Para se manterem no mercado, empresas fazem uma busca frenética pela redução dos custos a qualquer preço. E depois de ganhar a licitação, iniciam uma série de aditivos contratuais, onde também acontecem alguns dos casos de desvios éticos, atrasos, abandonos e até acidentes. Outra consequência grave é o sucateamento da engenharia pesada brasileira. Não por acaso, elevado número de empresas desse ramo está em situação financeira precária.

A insana busca pelo menor preço tem consequências incontáveis e é a administração pública e, obviamente, o povo que arcam com os prejuízos. O ideal é analisar previamente fatores como inovação técnica, método de execução e custos futuros com manutenção. É fundamental na elaboração de editais em que o equilíbrio econômico-financeiro e a qualidade técnica do empreendimento sejam levados em conta a fim de se alcançar resultados satisfatórios para empreendedores, profissionais, gestores e, principalmente, para os cidadãos.



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