São Paulo--(
DINO - 15 fev, 2016) - "A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo planos", escreveu, numa de suas famosas canções, o eterno beatle John Lennon. Pois quem atua no mundo corporativo sabe que grande parte do tempo que gastamos nas empresas é justamente para elaborar planos e estratégias, muitas vezes detalhadíssimas, fruto de discussão e trabalho, mas que, na prática, no dia-a-dia da "vida" cotidiana das companhias, não dão os resultados esperados, frustrando líderes e liderados.
"Isso acontece porque a maior parte das organizações com gestão tradicional cria planos ambiciosos e detalhados, mas não sabe executá-los da forma correta", acredita Robson Gouveia, gerente de projetos do Lean Institute Brasil (
www.lean.org.br), entidade sem fins lucrativos de São Paulo que há mais de 18 anos dissemina entre as empresas brasileiras o sistema lean, filosofia de gestão inspirada no modelo Toyota que vem sendo adotada por empresas de diversos setores e em boa parte do mundo.
Para o especialista, o "pecado capital" dos planos e estratégias das companhias é não colocar em prática o "Gerenciamento Diário", um conceito típico do sistema lean que, segundo Robson, reúne uma série de processos e comportamentos que, ao serem implementados, podem garantir que a estratégia adotada pela organização não ficará apenas no papel.
Há 18 anos atuando com o sistema lean em diversas empresas e tornando-se, assim, um entusiasta do "Gerenciamento Diário", Robson detalha a seguir porque as companhias erram ao elaborar e executar estratégias e como é possível reverter esse erro.
Na sua visão porque empresas são boas para criar estratégias e planos, mas são ruins em implementar o que foi pensado?
Robson Gouveia ? É que em boa parte das vezes as companhias não têm uma forma eficiente de desdobrar, acompanhar e ter um real entendimento sobre como a estratégia que foi pensada está sendo implementada na prática na organização. E não há forma melhor de se fazer isso a não ser por meio do "Gerenciamento Diário", um conceito de gestão do sistema lean, filosofia originária do modelo Toyota.
O que é o "Gerenciamento Diário"?
Robson Gouveia ? É o acompanhamento cotidiano e sistêmico dos principais indicadores que surgiram com o desdobramento da estratégia, incluindo as principais ações que foram definidas e desdobradas pela organização. Ele verifica se tudo está ocorrendo na prática como fora pensado, se os resultados esperados estão sendo atingidos e, em caso contrário, quais são os problemas e como resolvê-los.
Mas as empresas já não fazem isso no dia a dia? Não gerenciam seus negócios cotidianamente?
Robson Gouveia ? Mas é aí que está o problema: a forma como fazem isso. O "Gerenciamento Diário" sob a ótica do sistema lean é completamente distinto do gerenciamento cotidiano que empresas com gestão tradicional fazem no dia a dia de trabalho.
Quais são as principais diferenças?
Robson Gouveia ? Falando muito resumidamente, é preciso primeiro iniciar esse processo com uma sólida definição do propósito da companhia. Ou como chamamos na cultura lean, o "norte verdadeiro" da empresa. E muitas organizações erram ao fazer isso. Ou simplesmente não fazem. Depois, é preciso transformar isso numa estratégia robusta e desdobrá-la por toda a empresa, o que também muitas vezes não acontece, pois isso deve ser feito começando pelo nível macro, indo cascateando nos níveis funcionais, nas células de trabalho e para cada pessoa da organização. Depois é preciso fazer a "gestão visual" em cada área da companhia, que é talvez a coisa mais importante e que boa parte das empresas sequer sabe o que é.
E o que é a "gestão visual"?
Robson Gouveia ? Falando de maneira bem prática, significa garantir que todas as áreas da empresa tenham quadros simples, de fácil acesso e visualização que mostrem, em cada área, os indicadores principais com relação ao que foi planejado versus o que vem sendo alcançado. Então, líderes e liderados devem se reunir cotidianamente em frente a esses quadros para checar o que está realmente acontecendo na companhia e por quê.
Mas as empresas já fazem isso, não fazem? Boa parte delas está "infestada" por quadros, indicadores...
Robson Gouveia ? Novamente, o problema é a forma como elas fazem isso. Boa parte da dita "gestão visual" que muitas empresas adotam não adianta de nada. São indicadores burocráticos, complexos, mal feitos e confusos, elaborados propositalmente para só serem entendidos por quem os fez ? e, muitas vezes, nem por quem os fez. E que por isso não permitem um claro, real, automático e instantâneo entendimento da situação real, do que está acontecendo realmente e concretamente naquele setor. Além disso, líderes e liderados de empresas com gestão tradicional não sabem como lidar com indicadores. Usam isso ou para esconder problemas ou para achar culpados quando a falha é descoberta.
E como se deve então lidar com indicadores?
Robson Gouveia ? Numa empresa lean e que promove o "Gerenciamento Diário", líderes e liderados se reúnem cotidianamente ao lado de quadros com indicadores simples e absolutamente fáceis para entender "o planejado versus o alcançado". Então, em reuniões rápidas e objetivas, discutem quais são os problemas que impediram a conquista das metas, quais são "causas raízes" desses problemas e as formas de eliminá-las para assim acabar com os problemas e atingir as metas. Trata-se de um modelo de gestão diferente. Pressupõe uma liderança participativa e presente no local onde as coisas acontecem. Isso somado a uma cultura de resolução de problemas, no qual os processos são vistos como diamantes a serem lapidados diariamente.
Dito assim parece fácil, mas na prática as coisas não são um pouco mais complexas?
Robson Gouveia ? Sim, são, mas porque na maioria das vezes as pessoas não sabem se reunir e conversar em busca da detecção, exposição e resolução de problemas. O "Gerenciamento Diário" lean traz consigo uma forma muito eficiente de se fazer isso em reuniões. Mas na gestão tradicional, as reuniões são geralmente encontros improdutivos e feitos para se perder tempo, energia e recursos. São reuniões em que o foco, muitas vezes, está no indivíduo e não no processo e na busca de soluções conjuntas. Trata-se de um conceito que deve ir além das "ferramentas", da gestão visual: trata-se de um modelo de gestão.
Na sua visão, como então deveria ser uma reunião "produtiva" num contexto de gerenciamento diário lean?
Robson Gouveia ? Em resumo, precisa ser rápida e objetiva. Por exemplo, 30 minutos. Todos precisam se focar nos problemas, nas causas e nas soluções. Líderes devem abandonar a tradicional figura do "provedor" de soluções e adotar a postura do "questionador", ou seja, aquele que estimula o liderado a, ele próprio, encontrar as causas raízes dos problemas e buscar as soluções definitivas para os mesmos. Muito importante nesse processo é eliminar a "culpa", ou seja, a busca por "culpados", pois dessa forma liderados jamais vão expor os problemas, pois sempre terão medo de serem responsabilizados e punidos. E a premissa básica para resolver os problemas é expô-los da forma mais clara e simples possível.
Você acha que as empresas têm dificuldades em fazer isso: deixar de culpar as pessoas pelos erros que acontecem?
Robson Gouveia ? Elas têm muita dificuldade. Mas é preciso criar um clima na organização que propicie a exposição de problemas. Para isso, é preciso "culpar" os "processos" e não as pessoas. São os processos que estão errados e que precisam ser mudados. Não é algo fácil de fazer, mas é necessário criar essa cultura. De que esconder problemas não faz sentido e não é aceitável ou mesmo possível. Ao contrário, expor os problemas, questionar e resolver eficazmente passam a ser a maneira ideal de trabalhar. Para isso, é preciso tirar a culpa das pessoas para deixá-las sem medo de revelar problemas. Nas empresas quem seguem o sistema lean e que fazem gerenciamento diário, "ganha medalha" quem expões os problemas e busca resolvê-los. O que ocorre na maioria das companhias tradicionais é o contrário.
Na sua visão, qual é a consequência mais negativa disso?
Robson Gouveia ? É o que vemos frequentemente nas organizações tradicionais: elas não conseguem sequer enxergar com clareza os desvios e as suas causas, quanto mais resolvê-los. Além disso, não conseguem fazer com seus colaboradores aprendam e trabalhem mais e melhor. O "Gerenciamento Diário" é um poderoso método para se inverter isso. Sem ele, o desdobramento da estratégia fatalmente irá fracassar, por mais sólidos que tenham sido os acordos horizontais e verticais. Além de tudo, gera velocidade na tomada de decisões e o constante alinhamento ao "norte verdadeiro" traçado na estratégia, garantindo o engajamento e o foco em todos os níveis da organização, o que invariavelmente traz resultados consistentes.
Website:
http://www.lean.org.br/workshop/92/gerenciamento-diario.aspx