No contexto de pandemia global, governos têm lançado inúmeras medidas para evitar o colapso do sistema de saúde, financeiro e, entre eles, o judiciário. Nesse rumo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do grupo de trabalho (GT), criado pela Portaria nº 162, elaborou recomendações para processos de Recuperação Judicial. Em uma publicação feita no dia 31 de março desse ano, tais recomendações visam conferir maior celeridade, efetividade e segurança jurídica aos processos de recuperação judicial e de falência. Dentre elas, recomenda a possibilidade de implementação da modalidade virtual para as Assembleia Geral de Credores (AGC), a possibilidade de apresentação de um novo Plano de Recuperação Judicial (PRJ) em relação ao plano já em andamento, dentre outros.
Uma das recomendações diz respeito a prioridade da análise de pedidos de suspensão de realização de Assembleia Geral de Credores (AGC) presenciais, por conta da pandemia. Nessa hipótese, havendo a suspensão, o CNJ recomenda a prorrogação do período de suspensão das ações contra a empresa em recuperação, denominado stay period. A medida abre oportunidade de implementação da modalidade virtual da AGC, que, se realizada de forma segura e transparente. “Nessa perspectiva, a AGC virtual poderá maximizar a participação dos credores de outras Cidades ou Estados, democratizando sua participação e reduzindo custos. Já vimos a suspensão da realização da AGC presencial nas recuperações judiciais da Renuka (SP) e Paquetá Calçados (RS)”, comenta Leonardo Egawa, advogado especialista em recuperação judicial e insolvência.
No que se refere a prorrogação do stay period, o legislador instituiu a regra da suspensão das ações e execuções contra a recuperanda, pelo prazo improrrogável de 180 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação. De acordo com Leonardo Egawa, essa medida vem possibilitar a reorganização da empresa em recuperação, por meio da negociação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ) com seus credores. O pedido de prorrogação do stay period dependerá da análise do caso concreto por cada Juízo, à luz da legislação, da jurisprudência e da comentada recomendação do CNJ.
Segundo dados do Serasa Experian, em fevereiro deste ano, 81 novas empresas entraram com pedidos de recuperação judicial. Um crescimento de 11% ao comparar com o mesmo mês no ano passado. O Indicador também revela que foram as micro e pequenas empresas que impulsionaram a alta, com 53 ajuizamentos no período. “O efeito cascata desse cenário impacta fortemente a dinâmica cliente-fornecedor. Esses impactos podem atingir de forma vital as empresas que lutam para sobreviver em processos de recuperação judicial. Deste modo, ter a oportunidade de apresentar um plano modificativo pode possibilitar uma sobrevida a ponto de conseguir dar continuidade ao soerguimento e manutenção de empregos, em meio a pandemia global. Todas as recomendações que busquem a melhoria da gestão e fiscalização da aplicação da lei de recuperação de empresas e falência, são essenciais. É um momento para analisar a aplicabilidade, balanceamento e os impactos nas partes devedoras e credores, com atenção especial ao impacto social. As novas medidas afetam financeiramente todas as partes envolvidas no processo de recuperação judicial, prolongando custos inerentes ao processo e ao tempo de espera para pagamento dos credores”, explica Frank Koji Migiyama, sócio da FKConsulting.Pro, consultoria especializada em Melhoria de Desempenho, Reestruturação, Recuperação Judicial, Governança Corporativa, M&A.
Para as que estão em RJ, o CNJ recomenda que os Juízos possam autorizar que a recuperanda que estava cumprindo as obrigações assumidas no plano até 20 de março de 2020 possam apresentar um novo plano. Esse novo plano deve comprovar a diminuição da capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19. Outra recomendação é para que os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação judicial e falência priorizem a análise e a decisão sobre questões relativas ao pagamento de credores. O credor não receberá antes do previsto no plano, isso porque o pagamento dos credores no âmbito de uma recuperação judicial ocorre nos termos do plano de recuperação judicial homologado pelo Juízo. A recomendação é para que os Juízos priorizem esses pagamentos, esclarecendo que poderão ser realizados via transferência bancária (MLE). “De fato, o CNJ cumpriu seu papel na liderança nacional do Poder Judiciário, democratizando a experiência de seus conselheiros com todos os Juízos. Tais recomendações visam prevenir um aumento exponencial de situações que podem colapsar o trabalho das varas que conduzem os processos de recuperação judicial e falência, o que consequentemente, prejudicaria todas as partes envolvidas. São desafios nunca antes enfrentados, provavelmente, ter-se-á um aumento de processos de recuperação judicial e falências”, avalia Leonardo Egawa.
Para analistas da Fk Consulting.Pro, diante desse cenário de paralização parcial dos negócios todos os setores empresariais serão afetados. “Prevemos duas ondas em cadeia no que se refere às reestruturações. A primeira onda de reestruturações acomete empresas que já estão em recuperação judicial. Essas empresas devem seguir buscando instrumentos financeiros, jurídicos, de melhoria de processos e de planejamento estratégico para manter o soerguimento de suas atividades. Além disso, a manutenção de postos de trabalho, produção de riquezas e arrecadação de tributos. A segunda, incluirá empresas que estão fora do âmbito da recuperação judicial, mas com profundas dificuldades financeiras e operacionais. Estas devem revisar seus planos de negócios e, se for o caso, buscarem auxílio para diagnosticar e avaliar o instrumento da Recuperação Extrajudicial ou Judicial, por conta do já mencionado efeito cascata”, finaliza Frank Koji Migiyama, sócio da FKConsulting.Pro.