Novartis e Estadão Blue Studio
Mesmo incorporados ao protocolo oficial, medicamentos que aumentam a sobrevida de pacientes seguem inacessíveis na rede pública após três anos de espera.
Em 2025, o Brasil deve registrar 74 mil novos casos de câncer de mama, segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca)¹. Cerca de 30% dessas pacientes poderão evoluir para a forma metastática da doença, quando o tumor se espalha para outros órgãos². Para elas, a chance de viver mais e com qualidade depende do acesso a terapias específicas, já aprovadas no Sistema Único de Saúde (SUS), mas ainda indisponíveis na prática.
Apesar de oficialmente incorporados ao SUS em 2021, os inibidores de ciclinas - classe de medicamentos que aumentam a sobrevida e retardam a quimioterapia - continuam fora do alcance da maioria das mulheres que dependem do sistema público. O novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que regulamenta o uso dessas terapias, só foi publicado em dezembro de 2024, com quase três anos de atraso. Mesmo assim, seis meses depois, a promessa segue sem sair do papel.
"O benefício é inquestionável. Com os inibidores de ciclina, conseguimos postergar a quimioterapia e aumentar uma sobrevida de 4 anos para 5, 6 anos. Isso significa mais tempo de vida com qualidade, com menos efeitos colaterais e mais possibilidade de a mulher seguir em sua rotina com dignidade", afirma o oncologista Ruffo de Freitas, professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás.
Impactos na ponta
Estudos recentes mostram que 38% dos diagnósticos no Sistema Único de Saúde (SUS) já ocorrem em estágio avançado da doença³. A ausência de terapias modernas, como os inibidores de ciclinas, compromete o prognóstico. "Hoje, uma em cada duas mulheres com câncer de mama metastático pode estar viva após cinco anos. Sem acesso à medicação, esse número despenca", alerta Freitas.
Enquanto isso, na rede privada, o tratamento com os inibidores já é realidade. "Essa discrepância gera uma desigualdade brutal. Estima-se que, desde a incorporação, cerca de 50 mil mulheres do SUS deixaram de se beneficiar com a terapia", diz Alexandre Ben, gerente executivo da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).
Falta de orçamento
Embora o novo PCDT esteja em vigor, para os especialistas, faltam definição orçamentária e operacionalização. "O protocolo foi lançado em coletiva de imprensa do Ministério da Saúde, mas o que ele prevê não chega à paciente", critica Ben. Segundo ele, há dois caminhos possíveis para a oferta no SUS: a compra centralizada pelo ministério ou a inclusão da medicação na Autorização de Procedimento Ambulatorial de Alta Complexidade/Custo (Apac). Nenhum foi implementado até agora.
Para Freitas, a solução exige sinergia entre governo, setor farmacêutico e academia. "A incorporação foi feita, o benefício é comprovado. Falta apenas organização. É um processo que precisa sair da inércia com urgência. Estamos perdendo vidas por ineficiência administrativa", afirma.
Histórias silenciadas
Por trás dos dados, há mulheres que vivem - ou tentam viver - enquanto esperam. A Femama relata casos de desestruturação familiar, perda de emprego, abandono afetivo. "O diagnóstico de câncer metastático já é devastador. Sem acesso ao melhor tratamento, a angústia se agrava. Muitas pacientes recorrem à Justiça. Mas isso não deveria ser a regra", diz Ben.
Além de atuar politicamente, a entidade tem promovido campanhas como o "PCDT Rosa", para conscientizar pacientes sobre seus direitos. "Nosso papel é também letrar as mulheres em saúde, para que saibam o que podem cobrar do sistema e não se sintam sozinhas", completa.
Urgência real
Para os especialistas, embora o Brasil tenha avançado em políticas de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama, o cuidado integral ainda ignora quem mais precisa: as pacientes em estágio avançado, que seguem invisibilizadas pelo sistema. "O tratamento está aprovado, o benefício é comprovado, o protocolo está publicado. Só falta fazer chegar à paciente. E isso não pode mais esperar", afirma Freitas. O gerente executivo da Femama reforça: "Não é possível continuar incorporando tecnologias no papel e deixando milhares de pessoas à margem do acesso. O que estamos cobrando não é um favor - é o mínimo. É fazer o sistema funcionar como deveria".
"Cerca de 50 mil mulheres do SUS deixaram de se beneficiar com a terapia", diz Alexandre Ben, gerente executivo da Femama.
Referências
1. Ministério da Saúde. Estimativas 2023-2025. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/?p=7897
2. Femama. "Brasileiros acreditam que metástase é rara em tumores de mama." Disponível em: https://femama.org.br/site/noticias-recentes/brasileiros-acreditam-que-metastase-e-rara-em-tumores-de-mama-indica-pesquisa-inedita/
3. Observatório de Oncologia. "Diagnóstico tardio do câncer no SUS." Disponível em: https://observatoriodeoncologia.com.brM