Releases 29/12/2025 - 13:56

Entrelaçados pela vida: ciência, governo e sociedade se unem para combater o câncer de colo do útero


No Fórum Estadão Think, especialistas e gestores apontam vacinação, rastreamento avançado e acesso amplo como bases para que o Brasil alcance a meta da OMS de eliminar a doença como problema de saúde pública.

O câncer de colo do útero é um dos poucos tipos de câncer que pode ser totalmente prevenido1, 2 - e, paradoxalmente, ainda mata cerca de 7 mil mulheres por ano no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca)3. A doença é provocada, na maioria dos casos, pela infecção persistente pelo papilomavírus humano (HPV)³, vírus transmitido sexualmente e que pode ser prevenido por meio da vacinação disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), exames de rotina e tratamento adequado de lesões pré-cancerígenas4. Essa contradição - entre o que a ciência já sabe e o que o ainda temos para avançar como nação - foi o fio condutor do Fórum Estadão Think - Entrelaçados, realizado em 31 de outubro, em São Paulo, que reuniu lideranças médicas, representantes do governo e organizações da sociedade civil para discutir prevenção, rastreamento e tratamento da doença.

União necessária

O primeiro painel do fórum destacou a importância da união de esforços no combate à doença. De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Angélica Nogueira, o Brasil tem todas as condições técnicas para eliminar o câncer de colo do útero, mas ainda tropeça na execução: “Mais de 300 milhões de doses de vacina de HPV já foram distribuídas no mundo5, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) reafirma o seu perfil de segurança e e?cácia6. Tecnologia, hoje, não nos falta”, ressaltou.

A diretora institucional do Instituto Vencer o Câncer, Ana Maria Drummond, enfatizou a importância de aproximar a informação das pessoas: “Eu recebi mensagens dizendo: ‘Eu não sabia que essa vacina estava disponível’ e ‘eu não sabia que meu filho deveria tomar7’.” Para ela, comunicar de forma simples, “do português para o português”, é essencial para ampliar o alcance da prevenção.

Já a diretora de Parcerias do Grupo Mulheres do Brasil, Fabiana Peroni, destacou o papel das redes comunitárias e femininas na mobilização social: “É inadmissível aceitar que, a cada 90 minutos, morra uma mulher de câncer de colo do útero8. E não é qualquer mulher. A maioria delas é preta, pobre e periférica9”, observou.

Representando o governo federal, Mozart Sales, secretário de Atenção Especializada à Saúde (SAES) do Ministério da Saúde, afirmou que a pasta vem redesenhando a linha de cuidado: “Queremos instituir a autocoleta para essa mulher de lá. No Marajó, disseram que vai ser uma revolução poder orientar e permitir que a própria mulher colete o material em casa”, disse. O novo protocolo, que substitui o Papanicolau pelo teste molecular de HPV, permitirá identificar o vírus antes de qualquer alteração celular10.

Prevenção ampliada

No painel sobre os avanços na prevenção ao HPV, Ana Goretti, médica pediatra e responsável técnica pela vacina HPV no Programa Nacional de Imunizações (PNI), explicou que a meta do governo é recuperar coberturas vacinais e atingir 90% de imunização entre meninas e meninos de 9 a 14 anos11. A vacinação também foi estendida a grupos prioritários, como vítimas de violência sexual e pessoas imunossuprimidas11. “Voltar a vacinação para a escola foi um gol de placa”, afirmou.

A chefe da área de Saúde e Nutrição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Luciana Phebo, destacou a importância de integrar a vacinação à formação de valores na adolescência: “Vacinação tem a ver com autocuidado, mas também com o cuidado com o outro”.

A fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene Oliveira, por sua vez, defendeu uma comunicação próxima das comunidades: “Temos que parar de falar apenas para convertidos. É esse trabalho que o Instituto Lado a Lado tem feito.” Ela relatou que, em um território em que havia resistência à vacinação, no dia seguinte, foram vacinados 180 adolescentes.

O fórum mostrou que o desafio do Brasil não está na falta de soluções, mas na capacidade de torná-las permanentes. Ampliar a vacinação, organizar o rastreamento e fortalecer a comunicação são passos fundamentais para que a prevenção se torne rotina, e não exceção. “O que falta não é tecnologia, é continuidade”, como resumiu Angélica Nogueira, presidente da SBOC.

Brasil avança no rastreamento do câncer de colo do útero e reforça cuidado integral às mulheres
O Brasil vive um momento decisivo no enfrentamento ao câncer de colo do útero. A transição de um modelo baseado no Papanicolau, ainda fragmentado e de baixa sensibilidade12, para um rastreamento organizado com o teste molecular de DNA do HPV representa um avanço histórico na política pública de saúde feminina. Mas, para que essa mudança se traduza em impacto real, será preciso garantir continuidade, capilaridade e cuidado integral.

Nesse sentido, a terceira mesa do Fórum Estadão Think - Entrelaçados discutiu esse ponto de virada na política pública de rastreamento. A oncologista Jurema Telles, do IMIP e da Oncologia D’Or (PE), trouxe a perspectiva da linha de frente.

“Meu sonho é não conhecer mais nenhuma paciente com câncer de colo do útero. Metade da minha enfermaria é composta por casos da doença em Pernambuco”, afirmou. Ela contou que “muitas dessas mulheres chegam pelo pronto atendimento obstétrico, e só então descobrimos que se trata de um câncer inoperável”.

Para a presidente da Associação Brasileira de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia (ABPTGIC), Marcia Cardial, “o teste de DNA HPV é mais sensível do que a citologia do Papanicolau10. É disruptivo”.

Encerrando o painel, o diretor-geral do Inca, Roberto Gil, defendeu que a prevenção seja tratada como política de Estado. “Nós, enquanto nação, temos que ter isso como uma política de Estado. E, para ser uma política de Estado, é preciso garantir que a informação chegue a todos os cantos do país”, afirmou.

Tratamento e consciência

No painel final, o foco foi o cuidado integral e o protagonismo da paciente. A oncologista Andréa Gadelha, líder de Oncoginecologia Clínica do Hospital A.C.Camargo Cancer Center, ressaltou o papel da informação segura. “O paciente em tratamento precisa buscar fontes confiáveis - os grandes centros, o Inca, as ONGs, o Oncoguia, o Lado a Lado”, disse.

Já a fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, abordou o papel da modernização do SUS. “O sistema oferece tudo. A nossa grande discussão é o quanto podemos modernizá-lo e atualizá-lo, com um olhar de efetividade para o que está disponível”, disse.

A jornalista e maratonista Mirelle Moschella encerrou o evento com um relato pessoal de superação: “É hora de romper o tabu e o preconceito que ainda cercam o câncer de colo do útero”, relatou.

Caminho possível
O Fórum terminou com uma mensagem de convergência: eliminar o câncer de colo do útero é uma meta alcançável2, desde que ciência, política e comunicação caminhem juntas. A vacina está disponível, o novo exame foi incorporado e as ferramentas de diagnóstico e tratamento avançam. O desafio agora é coordenar esforços e garantir que o conhecimento chegue a todas — da adolescente vacinada na escola à mulher adulta que busca o exame no posto de saúde. Para os especialistas, a eliminação da doença depende menos de descobertas futuras e mais da capacidade de o país transformar as que já tem em política pública consistente — e, sobretudo, permanente. Como resumiu Angélica Nogueira, presidente da SBOC, “a gente precisa de parceria e precisa fazer a diferença agora.”

Referências:
1- WHO. Cervical Cancer. Acesso em 19/04/2024. Disponível em: Cervical cancer

2- OPAS. Por um futuro sem câncer de colo do útero: o primeiro compromisso global para eliminar um câncer. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/17-11-2020-por-um-futuro-sem-cancer-colo-do-utero-primeiro-compromisso-global-para

3- INCA. Câncer do Colo do Útero – Versão para população. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/tipos/colo-do-utero

4- INCA. Câncer do Colo do Útero – Versão para profissionais da saúde. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/tipos/colo-do-utero

5- Instituto Butantan. 5 mitos sobre a vacina do HPV, única que protege contra o câncer de colo de útero. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/5-mitos-sobre-a-vacina-do-hpv-unica-que-protege-contra-o-cancer-de-colo-de-utero

6- OPAS. Desmascarando mitos sobre a vacina contra o papilomavírus humano (HPV). Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/imunizacao/desmascarando-mitos-sobre-vacina-contra-papilomavirus-humano-hpv#:~:text=%C3%89%20seguro%20receber%20a%20vacina,c%C3%A2ncer%20de%20colo%20do%20%C3%BAtero

7- Ministério da Saúde. HPV. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/h/hpv#:~:text=para%20o%20casal.-,Preven%C3%A7%C3%A3o,de%202%20anos%20de%20idade.

8- INCA. Atlas On-line de Mortalidade: 19 mulheres por dia devido ao CCU. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: Atlas On-line de Mortalidade

9- Iniquidade racial na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: estudo de séries temporais de 2002 a 2021. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232024293.05202023

10- Ministério da Saúde. Ministério da Saúde oferta tecnologia inovadora 100% nacional para detectar câncer do colo do útero no SUS. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/agosto/ministerio-da-saude-oferta-tecnologia-inovadora-100-nacional-para-detectar-cancer-do-colo-do-utero-no-sus

11- Ministério da Saúde. Brasil avança na vacinação contra HPV e supera média global. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2025/agosto/brasil-avanca-na-vacinacao-contra-hpv-e-supera-media-global#:~:text=Desde%202024%2C%20o%20Brasil%20adotou,sexual%20continuam%20com%20duas%20doses

12- Nature. Specificity, sensitivity and cost. Acesso em 06/11/2025. Disponível em: https://www.nature.com/articles/nrc2287#:~:text=A%20sensibilidade%20do%20teste%20de,para%20o%20exame%20de%20Papanicolau