Releases 30/04/2019 - 14:43

Afinal, taxas de juro persistentemente baixas não são boas notícias


São Paulo--(DINO - 30 abr, 2019) - O lado negativo das taxas de juro persistentemente baixas não é óbvio à primeira vista. A redução dos custos de empréstimos para consumidores e empresas facilita claramente a compra de novos equipamentos, a aquisição de uma casa ou a contração de um empréstimo particular. Mas se quisermos analisar criticamente os efeitos das taxas de juro mais baixas (mesmo que estas aumentem a capacidade de consumo), teremos de subir a escala gradualmente, do senso comum para o raciocínio contraintuitivo.

Comecemos pelo senso comum. As taxas de juro mais baixas refletem um certo reconhecimento de que as coisas não estão a correr assim tão bem. No final de contas, se os bancos centrais mantiverem suas taxas bases em níveis mínimos, é porque sentem verdadeiramente que o investimento e as despesas dos consumidores precisam de ajuda. Além disso, o nível das taxas de longo prazo - mais do que o das taxas de curto prazo - resulta do equilíbrio natural da oferta e da procura entre os participantes no mercado (a menos que os bancos centrais intervenham, tal como fizeram durante os anos do "programa de aquisição de ativos"). Assim, se as taxas de longo prazo permanecerem extremamente baixas, será presumivelmente porque não há projetos de investimento de longo prazo suficientes para aumentar os custos de financiamento associados. Uma explicação final é que, com taxas de curto prazo que dificilmente subirão num período de fraco crescimento econômico e de inflação negligenciável, não faz sentido contrair empréstimos de longo prazo - exceto a taxas muito baixas.

Certo ou errado, tal sentimento pessimista funciona, pelo menos até certo ponto, como uma profecia autorrealizável, ou seja com uma premissa de resultado induzida. Isto é particularmente verdade na Europa, onde a atividade econômica depende mais diretamente dos empréstimos bancários, enquanto as empresas americanas (de média e grande capitalização) podem recorrer mais facilmente aos mercados de capital para obter financiamento. O fato é que as baixas taxas de juro prejudicam a capacidade de os bancos europeus gerarem resultados de três formas. Em primeiro lugar, as taxas reduzidas tornam as margens dos empréstimos altamente visíveis e, portanto, mais difíceis de "vender" aos clientes. Em segundo lugar, uma grande parte da atividade de um banco comercial envolve empréstimos de curto prazo e, posteriormente, empréstimos de longo prazo a taxas mais elevadas, gerando assim um lucro com a "transformação da maturidade".

Assim, quando as taxas de longo prazo não são superiores às taxas de curto prazo (ou mesmo inferiores), a transformação da maturidade deixa de ser rentável. Esse é o principal problema das curvas de rendimentos relativamente horizontais. Em terceiro e último lugar, as políticas do Banco Central Europeu conduziram os rendimentos de curto prazo a níveis tão baixos que são agora negativos em vários países. Além de ser um conceito pouco ortodoxo, as taxas de juro negativas significam que o dinheiro que os bancos possuem representam custo ao invés de lhes dar lucro. É preciso dizer, ainda, que a ideia de cobrar aos clientes do varejo pelos seus depósitos não correria muito bem. Deste modo, taxas de juro extremamente baixas são uma má notícia para os bancos, o que, por sua vez, é uma má notícia para o crescimento econômico. O resultado é um círculo vicioso que reduz cada vez mais as taxas de juro.
Por quê? Porque o aspecto de profecia autorrealizável das taxas de juros mais baixas e curvas de rendimentos relativamente horizontais ou invertidas sobe para outro patamar. Conscientes do ciclo de reações entre as taxas de juro baixos e uma economia fraca, os participantes do mercado começam a incorporar nas suas avaliações uma espiral descendente das taxas de juro, tentando promover o consumo. Assim, as baixas taxas de juro deixam de ser uma cura para o fraco crescimento econômico e passam a ser um prenúncio do mesmo. Completamos um círculo: estamos a caminho da próxima recessão.

De um ponto de vista macroeconômico, a razão pela qual o dinheiro praticamente gratuito é prejudicial reside no fato de taxas de juro extremamente baixas permitirem que as empresas se envolvam em investimentos muito pouco rentáveis - encorajando assim a má afetação do capital, que cria muito pouca riqueza. Com o intuito de conceder crédito barato, os bancos centrais têm, de fato, arruinado o potencial de crescimento a médio prazo das economias - assim como o emprego.

Como se explica este paradoxo? Em tempos de crise econômica ou financeira, uma política monetária expansionista faz sentido, porque oferece uma forma poderosa de afastar a ameaça de uma crise de liquidez que faria com que todo o sistema financeiro se afundasse, com consequências desastrosas para a economia em geral. O problema começa quando o dinheiro gratuito se torna o novo normal, sem condições de crise subjacentes que o justifiquem. Nesse ponto, os efeitos secundários nefastos já se instalaram, sendo extremamente difícil afastá-los - a menos que se abordem todas as distorções dos preços dos ativos financeiros e da afetação do capital que se foram acumulando ao longo dos anos. É precisamente na Europa que este lado negro do poder do banco central é revelado pelas atuais taxas de juro excessivamente baixas.


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