Releases 02/09/2016 - 22:46

Há algo de podre na Madison Avenue brasileira


São Paulo--(DINO - 29 ago, 2016) - Um formulário do Google produzido de forma inocente está expondo ao mundo as feridas mais profundas das relações profissionais envolvendo as agências de comunicação e marketing. Nos depoimentos, transparecia o descontentamento dos profissionais. No artigo em resposta produzido pela colega Gabriela Hunnicutt para o Meio & Mensagem, um descontentamento equivalente e espelhado do lado dos empreendedores que constroem agências. E, provavelmente, se consultarmos os clientes, encontraremos igual descontentamento.

Profissionais, donos de agência e clientes. Um mercado em que todos estão insatisfeitos é um mercado em crise. E, apesar de focarmos nossas reclamações nas pessoas, neste ou naquele sujeito insuportável, o buraco é mais embaixo. É estrutural, está relacionado ao modelo de negócios "agência".

Acredito que toda grande agência já parou para pensar sobre suas próprias dores, mas a permanência deste estado de coisas mostra que não fizemos isso a sério. Provavelmente, porque nenhum agente deste mercado resolveu desafiar os paradigmas mais profundos do modelo como um todo. Profissionais reclamam que as agências são "máquinas de moer carne", para, uma vez na liderança, reproduzir a mesma lógica que o oprimia. Sinal de que as bases do modelo, e consequentemente do problema, permanecem intactas.

Aconteceu o mesmo com os bancos. O modelo de negócios dos bancos brasileiros seguia robusto e resistente a todo e qualquer desafio vindo de fora. Até que surgiu o Nubank. E imediatamente as demandas por cartões de crédito dos bancos tradicionais caiu, enquanto a startup tornava-se o maior emissor de cartões do país.

Por que tudo permanece igual? Em primeiro lugar, não somos gestores, somos profissionais de comunicação. Criativos, descolados, hypados, mas sem racionar na forma de fluxos de trabalho, típica dos engenheiros de produção. Somos personalistas. Fulanizamos as vitórias - Cannes, Prêmio Aberje - mas também fulanizamos as derrotas - a famigerada planilha sempre apontava "pessoas ruins", não "processos desestruturados".

Enquanto isso, engenheiros estão se tornando criativos, combinando matemática avançada, tecnologia e aquilo que sempre achamos ser o nosso quinhão, a criatividade. As iniciativas mais disruptivas no campo da comunicação vieram de engenheiros: compartilhamento de arquivos de áudio e vídeo, streaming, algoritmo de busca, ad networks.

E o modelo das agências vai sendo engolido aos poucos. Por um lado, as grandes consultorias e empresas de tecnologia avançam sobre a Madison Avenue. Por outro, startups como Rock Content, Contentools, Dino e Rank My App reconstroem o negócio sob novos paradigmas. Estes são apenas alguns exemplos deste movimento inovador, que acontece apesar das grandes agências, e não por meio delas.

Muito provavelmente, as dores que estão sendo expostas são as dores de uma transição para um novo modelo de negócio. Como isto acontece sem a nossa colaboração, e sim com a nossa resistência, dói. Porque o novo está surgindo longe das atenções dos profissionais e dos donos de agência. Enquanto todos reclamam, a disrupção no mercado de marketing avança e solapa o trabalho de todos.


Paulo Roberto Silva é jornalista e empreendedor, CEO da agência Comm Cloud e mestre em Integração da América Latina pela USP
Website: http://commcloud.com.br/