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50 tons de preto: a desaceleração econômica global tornou-se sincronizada e inquestionável


São Paulo--(DINO - 24 jan, 2019) - Por Didier Saint-Georges - Diretor Executivo e Membro do Comitê de Investimento

Os mercados financeiros têm o hábito de girar em torno de tendências básicas, o que frequentemente é um comportamento de manada que leva os investidores da cautela à ambição ou da negação a grandes esperanças. O início de 2019 é um bom exemplo de como uma tendência subjacente que ainda é sombria, em função da deterioração das bases econômicas e monetárias, pode se desdobrar de formas sutis. Estes movimentos intermediários podem até mesmo ganhar força suficiente para fazer com que valha a pena para os gerentes de fundos ativos aproveitá-los, desde que não percam o rumo no processo.

Na medida em que 2019 avança, até mesmo os economistas mais otimistas sentem-se compelidos a admitir que a desaceleração cíclica já é generalizada. O índice PMI da indústria global da J.P. Morgan caiu de 0,5 ponto, em dezembro, para 51,5, com todas as principais regiões do mundo contribuindo para este declínio. O índice do setor manufatureiro ISM continua alto nos Estados Unidos em termos absolutos, no entanto, sofreu uma diminuição em dezembro, passando de 59,3 para 54,1, enquanto o índice equivalente para o setor de serviços caiu de 60,7 para 57,6. Na China, o PMI Markit-Caixin continua em sua queda que já dura um ano, desta vez chegando a menos de 50 (49,7). Este número confirma que os indicadores de produção do país entraram no terreno da recessão. Não por acaso, o PMI do setor manufatureiro da Alemanha apresenta evidências de um recuo de 12 meses, fechando em 51,5 um ano que começou com um índice de 63,3. Em outros lugares da Europa, foi possível observar a mesma tendência, por exemplo, na França, onde o movimento dos 'coletes amarelos' desempenhou um papel importante para que o PMI do setor manufatureiro ficasse abaixo de 50 (49,7). É difícil imaginar o Banco Central Europeu correndo ao resgate da economia europeia justamente após concluir seu programa de compra de ativos. Também é difícil que ocorra um acordo satisfatório de ajuda fiscal, com a Itália e a França comprimidas por déficits que já ultrapassam os limites.

Da mesma forma, na China, o governo tem pouca margem para realizar manobras. O governo chinês adotou uma série de medidas para apoiar a economia, incluindo uma recente redução significativa nas exigências de reservas mínimas para os bancos. No entanto, os obstáculos para criar estímulos mais eficientes tornam-se mais complicados o tempo todo. Além disso, a China não está mais operando com superávit comercial. Isso significa duas coisas: um déficit público muito alto não frustraria apenas a estratégia do governo voltada para reduzir os desequilíbrios, mas também aumentaria a pressão sobre a moeda nacional, o que imediatamente azedaria ainda mais as negociações comerciais da China com a administração Trump. Nos EUA, a falta de progresso no diálogo entre Trump e a nova maioria formada pelos Democratas no Congresso já levou a um fechamento, com a interrupção do pagamento de operações comuns do governo federal. A única esperança que resta é que o Fed opte por uma política monetária mais amena. Se esta retomada do Fed de uma resposta mais 'flexível' ao mercado financeiro ocorresse simultaneamente ao progresso nas negociações entre os EUA e a China, seria possível imaginar que a liquidação do mercado de ações do final de 2018 fosse sucedida por um reaquecimento significativo. Apenas no quarto trimestre de 2018, o Euro Stoxx e o índice S&P 500 tiveram perdas entre 12% e 15%.

Jay Powell afirmou que poderá ser mais flexível na sua política, mas não assumiu o compromisso de que irá fazê-lo. Na realidade, ele não pareceu sequer minimamente convencido de que a redução do balanço do Fed contribuiu para a instabilidade do mercado. Além disso, os indicadores econômicos dos Estados Unidos, assim como os índices ISM, são em si suscetíveis à direção em que os mercados se movem. A recuperação dos preços do mercado ajuda a estabilizar esses índices econômicos e, assim, enfraquece a possibilidade de uma política monetária mais amena. Por último, o painel do Fed para a economia norte-americana ainda mostra o pleno emprego e uma inflação de 2%, o que é coerente com os objetivos estatutários do banco central. Resumindo, atualmente não existem razões imperiosas para o Fed 'capitular' a sua política monetária. Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho cada vez mais apertado está gradativamente aumentando a pressão salarial e, portanto, começando a consumir as margens de lucro. Isso sugere uma decepção iminente nos lucros corporativos, particularmente na medida em que a desaceleração referida acima ganha força.

Concluindo, uma recuperação 'técnica' do mercado é uma possibilidade. Dependendo dos desdobramentos políticos nas próximas semanas, o alcance de uma eventual recuperação seria suficiente para justificar seu aproveitamento. Ações cíclicas de qualidade, muitas das quais foram fortemente abaladas nos últimos meses, claramente oferecem os melhores meios para aumentar a exposição a tendências altistas. No entanto, os problemas subjacentes ainda não foram abordados. Na medida em que avançarmos neste novo ano, teremos mais probabilidade de assistir a reavaliações menos otimistas nas previsões de lucros corporativos, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Em vez do aumento previsto de 8%, é razoável esperarmos por um declínio significativo nos ganhos, em comparação com os níveis de 2018, em consequência da diminuição das vendas e de margens de lucro decrescentes. A divulgação comentada dos lucros do quarto trimestre de 2018, os quais serão publicados em breve, deverá nos oferecer mais clareza sobre este ponto. Ao mesmo tempo, não há nada que force o Federal Reserve a abandonar a sua meta de normalização da política monetária. Já para o Banco Central Europeu resta pouca munição. Uma mudança na política monetária poderia ocorrer em 2019, mas exigiria uma pressão maior dos mercados financeiros ou da economia real.

Então, mesmo se os fatos corroborarem os rumores atuais de uma recuperação do mercado. Nessa condição, seria mais provável que se tratasse de uma retomada temporária do que uma guinada genuína na tendência que começou há um ano. Os investidores prudentes certamente devem atenuar uma retomada desta natureza.

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