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DINO - 27 mai, 2015) - Negro e pobre, Israel Oliveira Pacheco está preso há seis anos cumprindo pena por estupro. Recente exame de DNA revelou que não foi ele quem cometeu o crime. Sua história não é única. Pesquisas indicam que pelo menos 5% dos detentos inocentes nos Estados Unidos são inocentes, segundo informações do The Innocence Project. No Brasil, esse índice pode ser ainda maior. Suas condenações se deram por provas circunstanciais, baseadas em depoimentos, e não por provas materiais, a partir da análise científica de vestígios produzidos e deixados na prática de delitos.
Casos como o de Israel revelam que há problemas no procedimento apuratório, com reflexos na segurança pública do país. O modelo atual de investigação, baseado no inquérito policial e órgãos de perícia subordinados à Polícia Civil, pode contaminar o processo. Por isso, duas entidades que congregam os peritos criminais de todo o Brasil se aliaram na defesa do Substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição no 325/09 e 499/10, que prevê a constitucionalização da autonomia da perícia criminal: a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), que reúne os peritos que atuam na Polícia Federal, e a Associação Brasileira de Criminalística (ABC), que congrega os profissionais que atuam nos estados e no Distrito Federal. As duas entidades, com mais de 12 mil profissionais, querem que a perícia criminal seja desvinculada da Polícia Civil. A proposta já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e na Comissão Especial que trata do tema. Só falta ser votada no plenário.
A reivindicação das duas entidades está em sintonia com as recomendações nacionais e internacionais que afirmam a necessidade de autonomia dos órgãos periciais para uma atuação isenta, de modo que seja neutralizada qualquer ingerência sobre os laudos produzidos.
Peritos André Morisson e Bruno Telles"À perícia criminal não cabe apenas condenar, mas sim trazer a verdade dos fatos por meio de provas materiais", afirma o presidente da APCF, André Morisson. "Há uma lacuna de normatização dessa função, pois não existe lei federal que regulamente a existência de Institutos de Criminalística, sua organização básica e posicionamento dentro ou fora da estrutura das Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal", complementa Bruno Telles, presidente da ABC. Para ambos, a perícia criminal e a estrutura das Polícias Civis são incompatíveis.
"Puna o culpado; liberte o inocente"
Vários organismos do Brasil e do exterior afirmam a necessidade de autonomia dos órgãos periciais para uma atuação imparcial. São exemplos dessas recomendações o Plano Nacional de Segurança Pública (2002), a Conferência Nacional de Segurança Pública (2008), a Conferência de Direitos Humanos (2000-2008), o Programa Nacional de Direitos Humanos (2009), o Relatório da National Academy of Science dos EUA (2009) e o Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU) (2012).
Segundo o relatório da ONU, as investigações da perícia criminal não devem ocorrer sob a autoridade da polícia, devendo haver um corpo científico investigativo independente, com recursos materiais e humanos próprios. "O serviço de medicina forense, abaixo da autoridade policial, não tem a independência para inspirar confiança nos seus achados", registra o relatório. O argumento principal é que a atuação pericial não deve ser vista somente como ferramenta de punição, mas sim de promoção da justiça. Esta recomendação também foi declarada pela Anistia Internacional como um dos dozes passos para o Brasil extinguir a tortura por agentes do Estado.
Situação no Brasil
No Brasil, atualmente existem 17 estados em que os órgãos periciais já estão desvinculados da estrutura da Polícia Civil: Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins, conforme Diagnóstico da Perícia Criminal da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Entretanto, há diferentes níveis de desvinculação: em alguns estados está vinculada à Secretaria de Segurança ou nomenclaturas similares, ou mesmo diretamente ao governo estadual.
Entretanto, a Constituição atual não prevê a existência de órgão pericial autônomo. Pesquisa realizada pela perita criminal federal Márcia Aiko Tsunoda revelou que, na maioria dos estados, houve melhoria no serviço prestado à sociedade. "A partir das respostas obtidas neste estudo, pode-se concluir que os órgãos periciais que já se encontram desvinculados da Polícia Civil, de forma geral, apresentaram melhora tanto na qualidade do resultado final de seu trabalho para a sociedade quanto na sua gestão", afirma a perita. Mas ainda há muito o que ser conquistado para a autonomia funcional, como orçamento próprio, corregedoria independente e condição de órgão de segurança pública.
O que a sociedade ganha com a autonomia da perícia criminal
No Brasil, menos de 8% dos homicídios são elucidados, enquanto que nos Estados Unidos o percentual é de 65%. Na França e no Reino Unido, a taxa chega a 90%. A ausência de prova material e a consequente impunidade são fatores que contribuem para o aumento da criminalidade no país. "A perícia criminal existe para elucidar crimes, defendendo os direitos individuais: busca a verdade dos fatos, com base na ciência, sem influência para condenar ou absolver. Por isso, precisa de autonomia", afirma o presidente da ABC, Bruno Telles.
Além da isenção da prova pericial, respeito aos direitos humanos, uniformização dos procedimentos técnico-científicos por todo o país, "os órgãos policiais, o Ministério Público, a Defensoria e o Judiciário poderão demandar exames periciais", explica o presidente da APCF, André Morisson.
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