Releases 24/02/2016 - 16:35

Audiências de custódia ainda não garantem direito dos presos


Rio de Janeiro - RJ--(DINO - 24 fev, 2016) - O Conselho Nacional de Justiça enviou ofício aos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais de todo o país para que apresentem, até o dia 1º de março, "planos e cronograma de implantação" das audiências de custódia em suas jurisdições. Os tribunais têm até o dia 30 de abril para instalarem audiências de custódia em todo o seu território, conforme previsto na Resolução 213 do conselho, publicada em dezembro.

"Dados preliminares apontam que cerca de 50% dos presos em flagrante, quando colocados face a face com um juiz, deixam de ser recolhidos aos superlotados cárceres brasileiros, indicando uma economia de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos nos próximos 12 meses", escreveu recentemente o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Ricardo Lewandowski. Daí a importância de medidas como as audiências de custódia, já adotadas em todas as capitais do país. A iniciativa visa garantir ao preso em flagrante o direito de ser ouvido pessoalmente por um juiz em até 24 horas, por entender ser esse um direito fundamental que permite, nas palavras de Lewandowski, "analisar de forma mais cautelosa as circunstâncias da prisão".

O professor de Direito Penal e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da UFRJ, Francisco Ortigão (www.franciscoortigao.adv.br), tem a mesma preocupação e aponta a inconstitucionalidade dos interrogatórios por videoconferência: "Aceitar um distanciamento físico completo entre o juiz e o acusado, que por conta da sua posição já está em um estágio de vulnerabilidade maior do que os outros cidadãos, é aumentar a possibilidade de infligir-lhe sofrimento e não protegê-lo. A prática dentro dos tribunais demonstra, inclusive, como é comum, na sala de audiência, diante do juiz, o preso externar maus-tratos sofridos no cárcere. Deve-se ressaltar que toda pessoa interrogada judicialmente está sendo processada. Não havendo sentença com trânsito em julgado, ela é, a priori, inocente, como qualquer outro cidadão".

Como mostra a implementação das audiências de custódia, em pouco tempo, o problema é de simples solução. Para os interrogatórios, bastaria o deslocamento do juiz para uma sala, dentro do presídio, assegurando-se ao preso todas as garantias constitucionais. Ou seja, basta vontade política e, na análise do antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública, sem necessidade de preocupação com o possível aumento da impunidade: "O Brasil não é o país da impunidade, porque temos a quarta maior população penitenciária do mundo, com 640 mil presos. Mas apenas 12% cumprem pena por homicídio doloso. Dois terços estão na cadeia por crime contra o patrimônio e tráfico de drogas".

Soares lembra que apenas 8% dos 56 mil homicídios dolosos cometidos por ano, no país, chegam a ser investigados. Entre os que de fato são presos e as vítimas usuais de homicídios, algo em comum: a maioria é formada por jovens negros e pobres. Não fosse por uma aparente questão racial, o que diferencia essa parte da população é a falta de recursos econômicos que lhe garantam o direito à defesa de uma forma minimamente "justa". Isso tanto no que diz respeito à contratação de bons advogados, quanto no custo envolvido na interposição de recursos. São essas pessoas que, antes das audiências de custódia, costumavam ficar, em média, 120 dias entre o momento da prisão e o primeiro contato com a autoridade judicial, segundo levantamento do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Uma violação do direito de defesa, contudo, a que qualquer um estava sujeito.
Website: http://www.franciscoortigao.adv.br