São Paulo - SP--(
DINO - 02 fev, 2016) - Tentando responder à questão que me foi colocada, constitui uma surpresa existir, no Brasil, um registro compulsório para as cooperativas. Não conheço mais nenhum país no mundo que pratique essa obrigatoriedade e penalize as cooperativas que não a cumpram. Na Europa não existe de todo.
Vejamos o caso de Portugal, o primeiro país em todo o mundo a criar um Código Cooperativo no qual se assentam 13 diplomas complementares que tratam os correspondentes ramos de atividade. O Código Cooperativo português assumiu expressamente os 7 princípios da Aliança Cooperativa Internacional e leva muito a sério principalmente o 1º ("Adesão voluntária e livre") e o 4º ("Autonomia e Independência").
Exemplo disso é o seu Artigo 7º - "Iniciativa cooperativa" - que refere:
"1 ? Desde que respeitem a lei e princípios cooperativos, cooperativas podem exercer livremente qualquer atividade econômica.
2 ? Não pode, assim, ser vedado, restringido ou condicionado às cooperativas o acesso e o exercício de atividades que possam ser desenvolvidas por empresas privadas ou outras entidades da mesma natureza, bem como por quaisquer outras pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos.
3 ? São aplicáveis às cooperativas, com as adaptações inerentes às especificidades resultantes do disposto neste código e legislação complementar, as normas que regulam e garantem o exercício de atividades desenvolvidas por empresas privadas ou por outras entidades da mesma natureza, bem como por quaisquer outras pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos.
4 ? Os atos administrativos contrários ao disposto nos números anteriores ou aos princípios neles consignados estão feridos de ineficácia." O Setor Cooperativo em Portugal dispõe naturalmente da sua estrutura constituída, além das cooperativas de base, das Uniões (unidades técnicas e sem poder de representatividade), das Federações (representativas dos ramos cooperativos) e das duas Confederações (uma para as áreas agrícola e do crédito agrícola mútuo e outra para as atividades produção, transformação e serviços não agrícolas). Estas estruturas de grau superior representam apenas os seus associados a menos que, cada uma delas registre, comprovadamente, mais de 50% de cooperativas associadas.
Mesmo que assim fosse, está totalmente fora de contexto que, qualquer cooperativa, independentemente da sua dimensão, seja penalizada ou prejudicada nos seus direitos pelo fato de decidir não se associar a qualquer União, Federação ou Confederação de Cooperativas. O único registro que o Código Cooperativo determina, e que é totalmente gratuito, é o normalmente conhecido por "credenciação".
A credencial, emitida pela entidade que em nome do Estado português tutela o Setor Cooperativo, é um documento comprovativo da legal constituição e regular funcionamento da cooperativa segundo o Código Cooperativo e a correspondente legislação complementar. O apoio tecnico, financeiro e fiscal às cooperativas por parte das entidades públicas fica dependente da apresentação dessa credencial. Se as cooperativas se relacionam com entidades públicas deverão no seu próprio interesse, provar que estão a funcionar de acordo com a Lei.
Por isso, de acordo com os princípios que devem ser defendidos pelo ideário cooperativo, tal como refere o grande doutrinador português António Sérgio, "? o Estado e os políticos devem auxiliar o cooperativismo, legislativa, cultural e financeiramente: mas de tal maneira que não dirijam nunca, que não obriguem nunca, que nunca tenham a pretensão de comandar, por pouquíssimo que seja.".
Arnaldo Leite é, entre outras qualificações, professor de Cooperativismo, economista, perito em estratégia das Organizações do Terceiro Setor e consultor senior internacional em Economia Social.