Releases 18/09/2025 - 16:58

Espírito Santo aposta no reúso da água e desativa antiga estação de esgoto


Projeto inovador beneficiará mais de 300 mil pessoas.

O Espírito Santo será palco de um projeto inovador no Brasil: a implantação de uma Estação Produtora de Água de Reúso (Epar), voltada para transformar esgoto em água de alta qualidade para uso industrial. O investimento inicial supera R$ 250 milhões e, ao longo de três décadas, a estimativa é que o empreendimento movimente mais de R$ 2 bilhões. Além de atender às demandas de grandes consumidores, a Epar ampliará a segurança hídrica da região metropolitana de Vitória, beneficiando diretamente mais de 300 mil pessoas.

O projeto, que esteve no centro da conversa do Meet Point Estadão Think no início de agosto, prevê a desativação de uma antiga estação de tratamento de esgoto (ETE) e a construção de um sistema de regeneração de água com as tecnologiasmais avançadas existentes no mundo, instalado em espaço equivalente a um oitavo da ETE anterior, dentro de um terreno doado por uma indústria local. Esse avanço tecnológico não apenas melhora a eficiência do tratamento, mas também libera um terreno urbano, que poderá ser destinado a outros usos coletivos.

A troca de um sistema convencional de esgoto tratado por uma estação produtora de água de reúso proporcionará maior disponibilidade de água para a indústria, abrindo espaço para expansão do parque industrial capixaba. Setores como siderurgia, mineração, papel e celulose, por exemplo, terão garantias de abastecimento sem recorrer a novas captações em rios e mananciais que também atendem a população.

O meio ambiente também será beneficiado, além do aspecto social. Haverá a ampliação da capacidade de tratamento de esgoto da região metropolitana e redução do despejo de efluentes tratados no meio ambiente. O projeto trará benefícios diretos na qualidade da água dos corpos hídricos, para a saúde coletiva e para a valorização urbana. Esse fator, avaliam especialistas, representa um diferencial competitivo para a economia local.

Em um cenário de mudanças climáticas e maior risco de escassez hídrica, indústrias que asseguram o acesso a fontes alternativas de água a longo prazo têm mais condições de atrair investimentos, preservar empregos e manter planos de crescimento. O empreendimento também vai gerar empregos qualificados diretos e indiretos durante a fase de construção e, posteriormente, na operação da planta.

Inovação tecnológica

A Epar será a mais avançada planta de tratamento no País para a geração de água de reúso, na qual serão implementadas tecnologias de tratamento biológico de vanguarda desenvolvidas pela Veolia, em parceria e sob a liderança da GS Inima, empresa majoritária do consórcio vencedor da concorrência pública realizada em janeiro de 2024 na B3, a Bolsa de Valores do Brasil. O certame, disputado por cinco grupos, marcou a estreia de um modelo de concessão voltado especificamente ao reúso de água.

O processo de tratamento, segundo Marcus Vallero, diretor de Desenvolvimento de Negócios em Tecnologias da Água da Veolia, inclui tecnologias que estabelecem novos padrões para o reúso de água no Brasil: sistemas biológicos de alta eficiência para remoção de poluentes orgânicos, nitrogenados e fósforo; membranas de ultrafiltração, que funcionam como barreiras absolutas para a remoção de microrganismos; e um processo final de osmose reversa, capaz de remover sais e garantir uma água com qualidade excepcional, superior à da água potável, para atender às exigências da indústria.

"Esse arranjo tecnológico foi pensado para oferecer desempenho elevado com baixo consumo de insumos e energia, o que se traduz em custos operacionais menores. A compactação do sistema também reduz a geração de resíduos, ruídos e odores, aspectos que têm peso importante no relacionamento com a comunidade vizinha", afirma o executivo, um dos debatedores do encontro.

Embora concebido para atender à realidade do Espírito Santo, o projeto apresenta um modelo de negócio replicável em diversas outras regiões do Brasil, segundo Eduardo Pedroza, diretor de Novos Negócios da GS Inima Brasil. Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) mostram que o consumo de água efetivamente retirado de mananciais dobrou nos últimos 30 anos. A expectativa é de que essa pressão aumente, tanto pelo crescimento populacional quanto pela intensificação de atividades econômicas dependentes do recurso, como agricultura, indústria e mineração, além de desafios impostos pelas mudanças climáticas.

Estudos da ANA projetam que, com o agravamento das mudanças climáticas, a disponibilidade hídrica sofrerá reduções significativas, especialmente em regiões já vulneráveis. Nesse cenário, soluções como o reúso de água e a dessalinização de água do mar ganham relevância como ferramentas de adaptação e segurança hídrica.

Reúso, a bola da vez

Especialistas avaliam que o reúso pode ser uma peça-chave para acelerar a universalização do saneamento no Brasil. Ao gerar receitas adicionais para operadores, a venda de água de reúso ajuda a financiar a expansão da coleta e do tratamento de esgoto em áreas ainda desassistidas. Além disso, a conversão de antigas estações de tratamento em unidades de produção de água de reúso representa um caminho viável para modernização da infraestrutura existente.

"O valor da água não está em sua origem, mas na confiança em sua qualidade e na garantia de que ela estará disponível quando necessário. Setores estratégicos da nossa economia, como a produção de alimentos e diversas indústrias, são intensivos no uso da água. O mundo reconhece o valor estratégico da resiliência hídrica, e o Brasil está despertando cada vez mais nessa direção", afirma Eduardo Pedroza, diretor de Novos Negócios da GS Inima Brasil, também durante o Meet Point. O executivo reforça que, atualmente, o Brasil reaproveita menos de 1% dos efluentes gerados. "Temos a oportunidade de avançar significativamente nesse aspecto. Sem dúvida, promover o ciclo da água no saneamento é uma medida essencial de adaptação às mudanças climáticas."

O desafio, no entanto, também envolve ajustes regulatórios e a criação de mecanismos que facilitem o acesso ao esgoto sanitário como matéria-prima para a produção de água de reúso, além da definição de garantias de consumo de longo prazo por parte dos consumidores econômicos, como a indústria e a agricultura. Para que projetos como o de Vitória sejam sustentáveis a longo prazo, indústrias e demais consumidores precisam firmar compromissos de aquisição da água regenerada, assegurando previsibilidade de receita.

O novo Marco Legal do Saneamento, em vigor desde 2020, estabelece diretrizes para ampliar a participação privada no setor e alcançar a universalização dos serviços até 2033. Nesse contexto, iniciativas de reúso de água surgem como complemento estratégico para empresas do setor, ao mesmo tempo que reduzem a pressão sobre recursos naturais e aumentam a resiliência do sistema diante das mudanças climáticas.

O modelo capixaba do projeto de reúso de água já despertou o interesse de outras regiões do País, afirmou Munir Abud, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), durante evento realizado na sede do Estadão. Concessionárias estaduais de saneamento, reunidas pela Aesbe, juntamente com representantes da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água, iniciaram tratativas para mapear oportunidades e estimular a realização de novas concorrências nesse formato ou em modelos similares.

"O saneamento básico não pode ser encarado como uma ilha, algo isolado. Trata-se de um ponto muito relevante do nosso Marco Regulatório. A lógica do saneamento deve, cada vez mais, buscar a integração dos sistemas e uma visão ampla de gestão das bacias hidrográficas. Com isso, a capital e a região metropolitana podem subsidiar a implantação de sistemas de esgotamento sanitário em outras cidades que ainda não conseguiram cumprir seu dever de casa", complementa Munir Abud.