Durante a vigência da legislação anterior, qualquer pessoa que cumpria pena, necessariamente, devia passar por exame pericial para que se pudesse obter parecer quanto ao preenchimento das condições subjetivas à promoção de regime de cumprimento de pena e ou concessão de livramento condicional.
Porém, a Lei 10.792/03 alterou a redação do artigo 112 da Lei de Execução Penal e revogou expressamente a exigência do exame criminológico para os fins de progressão de regime, o substituindo pela necessidade de parecer elaborado pela Comissão de Classificação Técnica (art. 7º da LEP). A lei condicionou sua imprescindibilidade aos casos de crime hediondos e ou cometidos com violência à pessoa.
Neste sentido, inclusive, se posicionou a Suprema Corte ao estabelecer a súmula vinculante de n° 26, facultando ao juiz que examinará o benefício determinar, de maneira fundamentada, a realização do exame criminológico.
Aliás, neste sentido, Alexis Couto de Brito consigna, na segunda edição da Revista dos Tribunais de 2011, que foi necessária a edição da Súmula vinculante 26 para tentar eliminar o entendimento equivocado, com a seguinte redação - "para efeito de progressão de regime no cumprimento da pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização do exame criminológico".
Vale mencionar também que o ministro Marco Aurélio Mello assinalara: "Na segunda parte, penso que se reintroduz, no cenário normativo - já que o verbete vinculante tem força erga omnes, só não obrigando o Congresso Nacional -, exigência prejudicial ao réu. Volta a valer o texto primitivo derrogado pela lei que mencionei, a Lei 10.792/03. A derrogação, para mim, mostra-se, no caso, muito clara. Por que? Porque antes havia o parágrafo único com a seguinte redação: a decisão será motivada e precedida de parecer da comissão técnica de classificação e do exame criminológico. Esse texto foi expungido, ou seja, tendo em conta a realidade brasileira - volto ao quadro mencionado da tribuna pelo ilustre defensor, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo -, esse exame já se mostrava, senão inócuo - quanto ao conteúdo de duvidosa propriedade -, inviável, porque oitenta mil presos aguardavam, havendo alcançado tempo para a progressão, o famigerado exame. Recordo, a imprensa veiculou a existência de trabalho visando, justamente, a dar àquele que estão sob a custódia do Estado tratamento digno, tratamento previsto na própria Constituição Federal. Por isso, penso que não podemos desconhecer essa realidade normativa, ou seja, que a exigência do exame criminológico seja afastada como requisito necessário à progressão. […]"
Entretanto, o que se tem visto é uma realidade difusa. O exame voltou a ser determinado e de forma automática, deixando de ser excepcional como a norma impôs inicialmente. O exame pode e deve ser realizado sempre que o julgador considerar que o caso mereça uma avaliação técnica do psicólogo, psiquiatra e do assistente social. A grande preocupação é a forma como estes exames são realizados.
E assim se coloca porque a experiência em casos concretos tem demonstrado uma similitude nas conclusões dos exames realizados, nos fazendo pensar que não se tem dado a devida importância a essa análise. Por isso, é importante postular a possibilidade de acompanhamento dos exames por peritos auxiliares. Obviamente que isso já foi negado pelos estabelecimentos prisionais e pelos juízes de primeiro grau, porém, a Corte de Justiça do Estado de São Paulo em alguns recursos entendera que a possibilidade da nomeação de assistentes técnicos deveria ser permitida.
Em um julgamento, por maioria, se entendeu que se a visita íntima era viabilizada aos presos, não se teria razão e motiva para possibilitar que assistente técnico capacitado pudesse entrar no estabelecimento e realizar a perícia. Analogicamente, inclusive, o quanto dispõe os artigos 159, § 5º, II, e § 7º, do Código de Processo Penal c.c. 421 º§ 1º incisos I e II, do Código de Processo Civil, amparava o Direito pretendido e reconhecido, determinando a nomeação de assistente técnico e ou profissional para auxiliar na sua avaliação médica-psicológica. Este precedente está no HC nº 0079684-91.2011.8.26.0000, que foi relatado pelo desembargador Almeida Sampaio, no Tribunal de Justiça de São Paulo. E neste momento não se permitiu o acompanhamento desse exame nem pelo advogado e ou pelo seu assistente. Todavia, a padronização dos exames continuou e diversos são os casos em que se constata o uso de termos genéricos e que não retratam e individualizam a situação daquele que está na busca do benefício da semiliberdade e ou liberdade plena. Mas, vai-se além.
Muitas vezes, pela falta de tecnicidade dos exames e pelo abusivo uso de expressões subjetivas, não se pode aquilatar o motivo e qual a razão daquela afirmação e ou conclusão do perito nomeado. Nem mesmo os assistentes técnicos indicados puderam e ou perceberam qual a forma e a técnica do exame realizado, dificultando não somente debater o que inserido, mas o exame correto e adequado do postulado.
Neste sentido, é que deve então a Justiça começar a admitir que estes exames também possam ser gravados, seja para que o juiz, promotor e advogado tomem conhecimento, seja para que se possa avaliar se a conclusão externada realmente se coaduna com o exame realizado.
Atualmente, com a gama de recursos tecnológicos, se sabe que qualquer celular e ou equipamento fotográfico grava áudio e vídeo com perfeição. E se os atos procedimentais do processo penal podem ser gravados, não há óbice para que na esfera da execução penal, isso seja devidamente aplicado (art.405 e parágrafos do Código de Processo Penal).
É importante lembrar uma frase de Francesco Carnelutti, que diz: "Basta tratar o delinqüente como um ser humano, e não como uma besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar".
Portanto, há que permitir essa amplitude porque não existe razão para impedir que se faça a gravação de áudio e vídeo dos exames realizados, ampliando assim a possibilidade de conhecimento para uma melhor avaliação de quem pode e quem não deve ser agraciado-beneficiado e passar à próxima etapa de sua ressocialização.
DANIEL LEON BIALSKI é mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, Advogado sócio do escritório Bialski Advogados Associados.