Em debate no Estadão Summit Saúde, especialistas discutem como o uso de incretinas falsificadas e manipuladas em escala industrial ameaça a segurança dos pacientes e desvirtua o tratamento da obesidade.
Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e multifatorial, a obesidade atinge mais de 40 milhões de brasileiros¹. Ao mesmo tempo em que a ciência oferece novas perspectivas com as incretinas - medicamentos eficazes no controle do peso e do diabetes -, o crescimento desse mercado tem gerado um efeito colateral preocupante: a proliferação de versões falsificadas e manipuladas ilegalmente.
O tema foi debatido no Brand Talk "O perigo do mercado ilegal para obesidade: do falsificado ao manipulado em massa", durante o Estadão Summit Saúde com a participação do dr. Luiz André Magno, diretor médico sênior da Eli Lilly do Brasil, e Clayton Macedo, coordenador do Núcleo de Endocrinologia do Exercício da Unifesp e diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), com mediação da jornalista Camila Silveira.
Obesidade é doença crônica
Para Macedo, a obesidade não é uma escolha nem resultado de "falta de força de vontade", mas uma condição complexa influenciada por fatores genéticos, hormonais e ambientais. "A obesidade é uma doença recorrente, grave e multifatorial. Mais de 200 doenças estão associadas a ela", afirmou. Segundo o endocrinologista, a ciência tem revolucionado o entendimento da doença ao identificar mecanismos biológicos que explicam o ganho de peso e a dificuldade de mantê-lo sob controle.
Nos últimos anos, medicamentos como a semaglutida e a tirzepatida - terapias incretínicas - têm transformado o tratamento. "Essas medicações aumentam a saciedade, reduzem o apetite e melhoram o metabolismo, representando um avanço inédito para os pacientes", explicou Macedo. Mas o mesmo sucesso científico que trouxe esperança abriu espaço para um novo tipo de ameaça.
Falsificados e manipulados
Com a alta demanda, versões ilegais começaram a circular em clínicas, sites e redes sociais, muitas vezes anunciadas falsamente como soluções rápidas e seguras. Luiz André Magno alertou que "a popularização das incretinas criou um ambiente propício para falsificações, contrabando e manipulações em escala industrial".
Segundo o médico, há três categorias principais de produtos irregulares: os contrabandeados, que entram no país sem controle; os falsificados, que imitam o produto original e são vendidos como se fossem autênticos, originais e eficazes; e os manipulados ilegalmente em larga escala, prática que viola as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Quando se junta o produto falsificado, o contrabandeado e o manipulado industrialmente, há uma quantidade enorme de substâncias sem controle sanitário circulando no país", alertou.
Magno explicou que o desenvolvimento e aprovação de um medicamento original passa por anos de testes clínicos e auditorias. "A Anvisa inspeciona e certifica as fábricas e aprova a qualidade, segurança e eficácia da tirzepatida da Lilly. Nenhum desses controles existe no caso dos produtos irregulares", disse. Apenas entre 2023 e 2024, foram identificados 28 quilos de tirzepatida importados para o Brasil irregularmente - quantidade suficiente para produzir 5,8 milhões de canetas falsas.
Imitações oferecem risco real
De acordo com Macedo, as consequências do consumo de medicamentos falsificados ou manipulados ilegalmente vão além da simples falta de eficácia e colocam em risco a vida. "O paciente pode estar aplicando uma substância contaminada, com dose incorreta ou até com outro princípio ativo". Macedo relatou casos de internações por vômitos e hipoglicemia grave após o uso de produtos falsificados ou manipulados. "Já tivemos relatos de canetas falsificadas contendo insulina, o que pode provocar queda acentuada de glicose e risco de morte", afirmou. Ele destacou ainda o crescimento de clínicas e influenciadores que vendem "protocolos milagrosos" com substâncias sem origem comprovada, explorando o desejo por resultados rápidos.
Além dos riscos diretos à saúde, há falhas de conservação e transporte que comprometem a eficácia. "Essas moléculas exigem refrigeração de 2 a 8 graus. Quando são contrabandeadas, muitas vezes podem ter grandes alterações na temperatura, impactando a qualidade e efetividade do princípio ativo", explicou.
Informação e responsabilidade
A Lilly, detentora do registro e comercialização da tirzepatida aprovada pela Anvisa, tem reforçado campanhas de conscientização sobre os perigos do mercado irregular. Magno lembrou que a empresa não fornece o princípio ativo ou o medicamento para spas, clínicas ou farmácias de manipulação, e que a venda ocorre apenas em farmácias regularizadas pela Anvisa. "Você colocaria no seu corpo algo cuja origem desconhece, sem saber como foi produzido ou armazenado?", questionou.
Para Macedo, a mensagem central é clara: "A obesidade é uma doença séria e precisa ser tratada com ciência, respeito e profissionais comprometidos com a saúde, não com o lucro". Magno completou: "quando se trata de saúde, desconfie do que parece fácil. A promessa de um resultado rápido pode custar caro - às vezes, o preço é a própria vida."
PP-MG-BR-0362 - OUTUBRO 2025
Referências
¹Organização Mundial da Saúde (OMS). Obesity and overweight: Key facts. Atualizado em 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight.
Acesso em outubro de 2025.