Releases 14/08/2015 - 18:13

Estudo busca facilitar o entendimento sobre mudanças climáticas


São Paulo, SP--(DINO - 14 ago, 2015) - Poluição, buracos na camada de ozônio, secas contínuas, chuvas fora de época, problemas respiratórios. De alguma forma, o cidadão brasileiro associa todos esses elementos às mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo, mas ainda não consegue distinguir causas de consequências nesse processo complexo. Essa é a principal conclusão de uma pesquisa inédita, divulgada hoje na capital paulista, pelo Instituto Arapyaú, em parceria com o Observatório do Clima. As duas organizações querem aproximar o assunto do cidadão para que consiga rever comportamentos e cobre governantes em nível nacional e internacional.
A primeira parte do trabalho foi conduzida de abril a junho deste ano por antropólogos brasileiros, treinados por colegas do Frameworks, um instituto independente, sem fins lucrativos, fundado em 1999 nos Estados Unidos, e que se tornou conhecido por sua metodologia capaz de facilitar a compreensão de questões espinhosas pela população. "O Frameworks trabalha apenas para o terceiro setor, de maneira a ampliar o entendimento público de questões de interesse social", explica Michael Baran, diretor associado de projetos especiais do instituto, que liderou a pesquisa no Brasil. "Nós desenhamos, conduzimos e publicamos pesquisas que identificam formas mais efetivas de elaborar discursos mobilizadores."
Na etapa inicial, qualitativa, foram ouvidos 12 especialistas de diversas áreas ligadas ao clima. As entrevistas ajudaram a captar as mensagens de consenso entre eles. Na sequência, para alcançar a percepção do público para os preceitos científicos, os principais temas levantados foram apresentados a 25 cidadãos de cinco capitais (Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Manaus). "Esse número de entrevistados, apesar de parecer pequeno, é relevante dentro da metodologia, porque temos de passar horas conversando com as pessoas para extrair detalhes do que pensam. Não podemos induzir respostas e colocar palavras na boca delas", diz Michael. O resultado apurado foi que existe um grande distanciamento entre o que a ciência já sabe hoje sobre as mudanças climáticas e o entendimento da população.
Lógica invertida
Um bom exemplo é o próprio termo clima. Alguns entrevistados o relacionaram à previsão meteorológica. Outros o associaram a derretimento de geleiras e a eventos extremos (secas, chuvas torrenciais, calor fora de época etc.). Ou seja, de maneira geral, registrou-se dificuldade do público em separar variação do clima no dia a dia das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global.
Outra confusão recorrente: a fragilização da camada de ozônio faz com que uma quantidade maior de raios solares atinjam a Terra, aumentando a temperatura global, numa completa inversão da lógica do efeito estufa. Na verdade, o efeito estufa nocivo acontece quando a radiação da superfície terrestre é absorvida por gases liberados em excesso na atmosfera ? como os provenientes da queima de gasolina e diesel. Esse acúmulo muito além do padrão da normalidade faz com que o cobertor de gases que envolve o planeta (e o mantém aquecido) fique mais grosso, retendo mais calor do que o necessário. E são esses mesmos gases que danificam a camada de ozônio, gerando buracos que permitem a entrada de raios solares nocivos, os quais aumentam os casos de câncer de pele. Portanto, não há relação entre camada de ozônio e aumento da temperatura da Terra.
Solução estudada
Mas essas confusões não são exclusividade de brasileiros. Segundo Marcelo Furtado, diretor do Arapyaú, nos Estados Unidos e na Europa, começam a surgir pesquisas e iniciativas voltadas para a comunicação sobre as mudanças climáticas, a exemplo do projeto Climate Change Communication, da Universidade Yale, e do estudo Connecting on Climate, desenvolvido pelo Earth Institute da Universidade de Columbia. "Algumas instituições começam a tratar a comunicação sobre mudanças climáticas de maneira mais estratégica, observa. "No Brasil, a maioria das organizações que trabalha com o tema não dispõe dos recursos necessários para avançar na construção de abordagens mais estratégicas de comunicação ou mesmo não possui uma frente de comunicação estruturada. Foi isso que nos inspirou a investir nisso."
O próprio Frameworks já desenvolveu um mapeamento completo sobre clima e oceanos nos Estados Unidos. Assim, depois de sobreporem os entendimentos dos cientistas e a percepção do público, os antropólogos definiram e testaram maneiras de falar sobre questões complexas de forma simples, as chamadas metáforas. "Associamos o oceano ao coração", conta Michael Baran. "Assim como o coração bombeia o sangue e ajuda o corpo a regular sua temperatura, o oceano controla a circulação do calor e da umidade no sistema climático."
Agora, a pesquisa brasileira precisa avançar para esse estágio. Os pesquisadores se debruçarão sobre os distanciamentos identificados entre especialistas e a sociedade para desenvolver metáforas explanatórias. Em seguida, irão a campo para uma pesquisa quantitativa. Na prática, eles apresentam para os entrevistados nas ruas essas maneiras de explicar pontos críticos e avaliam os resultados em amostras criteriosamente definidas.
Importância da iniciativa
O esclarecimento dos temas climáticos em grande escala tem uma função valiosa para as organizações que trabalham com a agenda de clima no Brasil. Há tempos elas perceberam que a comunicação é um grande gargalo nesse campo. "Quando as pessoas não compreendem o que exatamente causa a alteração de temperatura na Terra, também não conseguem alcançar que precisam cobrar soluções macro do poder público, de curto, médio e longo prazos", enfatiza Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, uma rede que reúne 37 entidades da sociedade civil com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto brasileiro.
Valendo-se já do estudo do Frameworks, Rittl cita a baixa percepção popular de que estancar a elevação da temperatura do planeta requer uma série de políticas públicas articuladas. É que o brasileiro puxa a responsabilidade da solução para o individual, citando reciclagem de lixo e cuidados com rios e mares. Tudo de uma maneira genérica. "Assim, o público deixa de cobrar soluções ambiciosas do governo nesse campo, como adoção sistemática de fontes de energia alternativas (solar e eólica, por exemplo), incentivo ao uso de combustíveis não fósseis, como etanol, mudanças nos transporte de cargas e passageiros, entre muitas outras."
O próximo passo da pesquisa é a entrega pelo Frameworks de um relatório que já contará com uma estratégia de comunicação. Ela será debatida com um grupo de comunicadores reunidos pelo Arapyaú. Só então será viável produzir as metáforas, entrando pela etapa final, com testes dessas formas de comunicar as questões climáticas e de produtos de comunicação. Para tanto, estão sendo convidados parceiros financiadores dispostos a apoiar a finalização do estudo.
Website: http://www.arapyau.org.br